André Esteves, um bilionário aos 36 anos

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Filho, você vai confiar em banqueiro?”. Foi essa a pergunta da mãe ao ouvir do jovem André, mal saído da adolescência, que ele iria trocar de emprego: da área de sistemas da própria universidade em que também cursava matemática, a UFRJ, ele trabalharia no Pactual. Nem a mãe, nem o próprio filho, tinham ouvido falar daquele banco. Sabia tratar-se de um banco de investimento – o que, pensou o novo estagiário, devia ser legal, um negócio dinâmico, pessoas de terno, ambiente bacana.

O garoto não encontrou ninguém de terno, nem viu um ambiente que parecesse razoavelmente elegante para um banco; apenas pessoas vestidas de maneira informal num escritório chinfrinzinho. André avisou que não ganharia mais, mas lhe fora prometido bônus a cada seis meses caso trabalhasse bem. Professora de psicologia da educação e habituada à vida de classe média da Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio, a mãe imediatamente ligaria o desconfiômetro. Mas por pouco tempo. André Esteves não só confiou como virou, ele também, um banqueiro. Longe de ser um banqueiro qualquer.

Pois foi assim, ironicamente, o passo inicial de André Esteves rumo à condição de bem-sucedido homem de negócios. Mais: se nos tempos de estudante de matemática sonhava comprar um posto de gasolina para ficar rico, com 36 anos virou bilionário e hoje, aos 46, é dono de um dos maiores bancos do País, o BTG Pactual.

Mas talvez por saber que a desconfiança da mãe com os banqueiros é um dos sentimentos mais democraticamente disseminados entre os brasileiros, ele prefere se definir como um empresário; se diz mais um homem de negócios do que um financista. Ou talvez porque sua inspiração seja outra. Diferentemente de banqueiros clássicos, como Amador Aguiar (1904-1991), do Bradesco, Olavo Setubal (1923-2008), do Itaú, e Walther Moreira Salles (1912-2001), do Unibanco, não construiu seu banco com agências na rua, tampouco concentrado no crédito ou na prestação de serviços financeiros.

Um funcionário é um sócio em potencial

André Esteves está cadastrado, isto sim, na pasta de banqueiros como Jorge Paulo Lemann e John Pierpont Morgan. O primeiro montou o lendário (e extinto) Garantia, banco referência entre empreendedores e jovens financistas do País. O segundo fundou o banco que ajudou a financiar o crescimento dos EUA nos séculos XIX e XX. Dos dois Esteves colheu a inspiração no modo com que se dedicavam às operações de mercado de capitais, voltavam-se para as grandes e médias empresas que precisam de recursos para crescer e geriam recursos de terceiros. Também absorveu o modelo quase religioso de meritocracia e “partnership” (sociedade).

Como no Garantia, os salários do BTG Pactual são relativamente baixos. Aqueles que se destacam, são competitivos e contribuem para os bons resultados da companhia recebem generosos bônus e – mais do que isso – podem tornar-se sócios no futuro. Quanto maior for o sucesso das operações e a contribuição pessoal para a geração de valor para o banco e seus clientes, maior é a remuneração de cada um. Os melhores talentos têm a chance de ganhar muito dinheiro e mudar de classe social. Eis aí a versão darwiniana de seleção natural aplicada ao mercado financeiro, combinada com ambição, desprendimento e competência. Uma soma que costuma garantir muitos zeros na conta bancária de jovens operadores. Muitas vezes da noite para o dia.

Feito Esteves. Foi graças à meritocracia do antigo Pactual, espécie de filhote do Garantia, que ele saiu de analista de sistemas para a mesa de renda fixa do banco; que deixou nas gavetas do passado e do anedotário de um empreendedor a lembrança das comemorações com a mulher no McDonald’s nos dias de bom resultado. O mesmo modelo também exige certos rituais. No BTG, Esteves não tem sala privativa. Mesmo os sócios relevantes têm o mesmo espaço que os demais funcionários. Sentam-se em mesões sem divisórias, espalhados pelos andares do banco na Avenida Brigadeiro Faria Lima, Zona Sul de São Paulo. Salas isoladas são restritas a receber clientes e fazer reuniões. Apesar do time de estrelas – do qual fazem parte pesos pesados como o economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, e Cláudio Galleazi, ex-presidente do Pão de Açúcar, poucos discordam de que Esteves é a alma do banco. O estrategista do negócio. O homem da audácia. O domador de riscos. O articulador de providenciais contatos no governo.

Trabalho + sorte = dinheiro (e poder)

Não se consegue chegar a tal nível sem uma soma de virtudes e um quê de polêmicas. Workaholic típico, Esteves chega por volta das 8 horas na sede do banco e só vai embora depois das 22 horas. Férias? Duas vezes por ano. Rotina da semana? Começa no domingo à noite, quando reúne os principais sócios em sua casa para trabalhar. Acrescente-se ao cardápio uma vida razoavelmente espartana para o tamanho de sua fortuna. De novo o modelo do Garantia de Lemann: nada de ostentação explícita; nenhuma Ferrari na garagem. Junto com a virtude, Esteves garante ser necessário ter bastante sorte – faz, assim, uma espécie de variação moderna da lição de Maquiavel, para quem virtú (virtude) e fortuna (sorte) andavam lado a lado na vida de um príncipe; a segunda dificilmente chegaria sem a primeira. Na sintaxe difundida por Esteves, ele e seus sócios teriam descoberto a correlação matemática entre o sucesso e a sorte: “Quanto mais trabalha, mais sorte você tem. Não tem muita mágica”.

O sistema de meritocracia e “partnership” costuma ser excelente para a empresa, muito bom para o profissional e péssimo para o fígado e o coração. Atritos, disputas de poder e fissuras revelam-se inevitáveis. Assim, parece natural notar que, no capítulo das polêmicas e das controvérsias, não são poucas as histórias envolvendo o nome de André Esteves – algumas tiveram consequências negativas práticas, outras acabaram elevadas às sombras da dúvida e do mito. Uma delas diz respeito às suas boas relações com Brasília, que volta e meia geram questionamentos no mercado. Ele ouviu muito ti-ti-ti por ter proximidade, por exemplo, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o ex-ministro Antonio Palocci. Maledicência e inveja, costuma responder aos ataques. “Cada um pode falar o que quiser. Mas cadê o fato?”, já disse em entrevistas.

A própria ascensão de Esteves é tisnada por um disse-me-disse que se tornou clássico no almanaque do desamor societário do mercado financeiro. Em 1999, quando comandava a área de renda fixa do antigo Pactual, foi considerado o mentor e líder de um levante contra o principal acionista do banco, Luiz Cezar Fernandes. Responsável pela contratação de Esteves dez anos antes, Fernandes havia criado uma cizânia entre os sócios. Tinha planos de investir no varejo, estratégia que levara à saída do economista Paulo Guedes, do operador André Jakurski e de Renato Bronfman, da área de reestruturação de empresas. Os três estavam no Pactual desde a fundação, em 1983. Para desespero dos sócios remanescentes, Fernandes mantinha passo firme rumo à concretização de sua estratégia. Um desses remanescentes era o jovem discípulo André Esteves. Quando Fernandes pediu um empréstimo aos parceiros para quitar dívidas de outros negócios, eles não só negaram como o obrigaram a vender suas ações no banco. Alguns anos depois Fernandes acusaria Esteves: “Ele venderia a mãe para ter o poder”. Hoje, no entanto, reviu a tese e afirma que exagerou na declaração.

Em 2007, então presidente do UBS Pactual, precisou fazer acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para encerrar um processo envolvendo irregularidades na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), antes de sua fusão com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Com Aldo Santos Laureano Junior, também executivo do banco, teve de se comprometer a pagar uma multa de R$ 8,1 milhões. A acusação? Realizar operações para transferir lucros do Pactual para uma empresa estrangeira chamada Romanche Investment Corporation. O Pactual pagaria R$ 4 milhões, a Romanche Investiment outros R$ 4 milhões e Esteves e Aldo, cada um, R$ 50 mil.

No ano seguinte, quando Esteves trabalhava em Londres, tentou se aproveitar da fragilidade do banco suíço UBS. Era o auge da crise global de 2008, e o UBS estava entre os mais atingidos pela debacle financeira. O brasileiro chegou a procurar Jorge Paulo Lemann para apoiá-lo na tentativa de comprar o UBS. O comando do banco torceu o nariz frente a seus movimentos. Esteves acabou deixando o UBS para fundar o BTG. A sigla, para quem não sabe, vem de “Back to the game” – ou “de volta ao jogo”. Era assim que ele se via, e foi assim que , de fato, virou o jogo. A saber: por meio da BTG Esteves recomprou o Pactual, do UBS, por US$ 2,5 bilhões, após ter vendido este por US$ 3,1 bilhões para os suíços. Criativo, esse Esteves: um pequeno banco de investimentos, com ativos de US$ 3,3 bilhões, comprava ali um gigante com R$ 57 bilhões de recursos sob gestão de ativos totais de R$ 14 bilhões.

BTG: Better than Goldman?

Não se viu, nos últimos anos, um banco tornar-se sócio de tantas empresas no Brasil quanto BTG Pactual de André Esteves. Sua linha de atuação é assumida e reconhecidamente agressiva. Em quantidade e variedade – foram alocados mais de R$ 10 bilhões em diversas atividades econômicas, sem contar operações com outras instituições financeiras. São cinco pilares: private equity,infraestrutura, mercado imobiliário, recursos naturais (como mineração) e florestas. Como Esteves gosta de repetir em entrevistas e palestras, trata-se de um “banco de investimento que investe” – obviedade que, infelizmente, não é tão seguida assim nem no Brasil, nem no restante do mundo. O mérito levou a revista The Economist a perguntar se o significado da sigla BTG não deveria ser “Better than Goldman” (em bom português: melhor que a Goldman, referência ao banco Goldman Sachs, a melhor e mais lucrativa instituição financeira do gênero no mundo). Em outro artigo, o jornal Financial Times chamou o BTG de “Goldman Sachs tropical, com uma dose de cachaça”. Em 2014, a fortuna pessoal de Esteves atingiu US$ 4 bilhões – a 12ª maior do Brasil.

Uma das lógicas do “Better than Goldman” é adquirir negócios que sejam porta de entrada num setor pouco explorado, com possibilidade de se tornar líder no médio prazo. Sua agressividade no mercado é tamanha – característica que o próprio Esteves admite – que alguns de seus detratores classificam como “excessiva” ao fechar negócios. Uma de suas últimas e mais espinhosas missões foi investir no grupo EBX de Eike Batista. O objetivo: elaborar um plano de salvação do grupo, com uma reestruturação de ativos de modo a levantar dinheiro para quitar dívidas, tocar alguns projetos e tentar sair do naufrágio iminente. A relação de ambos, no entanto, azedou. De um lado, Eike passou a desconfiar que a equipe do BTG estivesse mais interessada em prospectar negócios para seus fundos do que empenhada em encontrar melhores oportunidades para a EBX. Esteves e sua equipe, por outro lado, sentiram-se frustrados com a lentidão inicial de Eike para se desfazer das empresas. A vida às vezes não é fácil no mundo dos bilionários.

Fonte: iG

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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