Alagoinhas no centro da crise militar em Novembro de 1965
A boataria continua
A tempestade custava a passar. A 23 de Novembro, na cidade de Alagoinhas, no interior da Bahia, inaugurando obras federais, Castello Branco desabafaria, conforme noticiariam os jornais de Salvador, no dia 24, e as folhas do Rio e de São Paulo, a 25. Cito O Globo:
“Há quem anuncie a insurreição. Preferimos enfrenta-la a contorná-la. Não reconhecemos nenhuma força autônoma nos meios militares do país. Se existe, que procure medir suas dimensões e passe da conspirata dilatória para a ação aberta. Defenderemos, com Alagoinhas e com os revolucionários, os interesses supremos da revolução, no interior e no exterior. E a tranquilidade do povo para que possa trabalhar e tornar o Brasil um das grandes nações do mundo. A garantia dos esforços que o governo empreende está nas forças trabalhadoras e empresariais e nas Forças Armadas”. (Castello Branco) – Página 389
Matéria de O Globo (25/11/65) sobre o discurso do presidente em Alagoinhas:
O trecho acima reproduzido pertence ao presidente Castello Branco e foi por ele pronunciado anteontem no interior da Bahia. Nada mais claro, firme e categórico, justamente num instante em que pareciam recrudescer os boatos sobre possíveis ações de setores minoritários inconformados com a posse dos eleitos em 3 de outubro. O pronunciamento referido veio coroar uma série de outros formulados nos últimos dias pelos ministros Costa e Silva, Juracy Magalhães e Luís Viana Filho, todos da mesma forma categóricos, firmes e claros, relativamente ao direito de posse para os eleitos. O marechal Castello Branco refere-se aos boatos, acentuando haver quem anuncie o clima de insurreição (…). Páginas 389/390
Desventuras de Boaventura
O coronel Boaventura Cavalcanti Júnior possuía um excelente conceito no Exército, como oficial de Estado-Maior e paraquedista. Era irmão do deputado Costa Cavalcanti, também coronel, e se destacava como um dos líderes da linha dura. De início, ajudara na escalada do ministro da Guerra, mas depois, editado o AI-2, tornar-se-ia incômodo. Diante do discurso do marechal Castello Branco em Alagoinhas, no interior da Bahia, o coronel Boaventura escreveu carta de crítica ao presidente, considerada injuriosa e contra a hierarquia e os regulamentos militares, que o Jornal do Brasil publicaria na íntegra, a 27 de Novembro de 1965. No texto, o coronel cobrava atitudes revolucionárias por parte do governo e sustentava a necessidade de Negrão de Lima não tomar posse no estado da Guanabara.
Costa e Silva então determinou a prisão de Boaventura, através do comandante do I Exército, e o palácio das Laranjeiras encarregou-se de difundir junto aos jornalistas credenciados que o documento não tinha a menor influência e fora escrito apenas para “lavar a face dos radicais impotentes”. (Página 403)
Outra matéria de O Globo (29/11/ 1965) na qual Alagoinhas é mais uma vez citada:
O que se pode acrescentar sobre a matéria é que ela não preocupou o governo federal, que se mantém tranquilo e consciente de suas responsabilidades para com os ideais revolucionários. E disposto a não permitir excessos de qualquer parte, como o presidente Castello Branco deixou claro em seu discurso de Alagoinhas, dias atrás. O ato do coronel Boaventura é isolado, sem repercussões maiores. Não perturbará a ação e as diretrizes do governo, nem repercutirá na tropa. Inclusive porque, ainda conforme os porta-vozes oficiais, o simples fato de coronel ter escrito uma carta ao invés de agir dá bem a medida de suas responsabilidades reais de perturbar o livre exercício das instituições democráticas, como a posse dos cidadãos eleitos! (Página 403).
Textos extraídos do livro “A DITADURA MILITAR E OS GOLPES DENTRO DO GOLPE – 1964-1969 – A HISTÓRIA CONTADA POR JORNAIS E JORNALISTAS”. CARLOS CHAGAS