Alagoinhas em vésperas de eleições – 1976: O instituto da sublegenda. Jorge Damasceno

Na segunda crônica que se propôs a escrever sobre alguns períodos pré-eleitorais em Alagoinhas, este escrevedor se reportará ao ano de 1976. Naquele ano, em um intervalo de mais ou menos quatro meses, dois ex-presidentes da República morrem – ou são mortos. Juscelino Kubitschek, em acidente automobilístico na via Dutra, cujas causas têm explicações ainda hoje controversas; João Goulart, sofre um ataque cardíaco, igualmente controverso. Naquele mesmo ano, cinco membros do clandestino Partido Comunista do Brasil são mortos em um “estouro do aparelho” promovido pelo Exército brasileiro no bairro da Lapa – conhecido como a “chacina da Lapa” -, em São Paulo. Tendo capturado um dos membros do partido, mediante tortura e, segundo outra versão, comprado as informações por 150 mil cruzeiros – conforme mais tarde dissera um membro das FFA -, os agentes da repressão invadiram o local da reunião e lá mataram e prenderam a cúpula diretiva do “PCdoB”. Entre os presos na reunião e depois torturado pela repressão estava o comunista baiano Haroldo Lima

Ainda naquele décimo segundo dos vinte e um anos de “chumbo”, a repressão aos opositores era marcada pela morte de mais um deles nos porões do famigerado “DOI-COD”. Era Manuel Fiel Filho, morto em janeiro de 1976, morte que acabou passando a ser um ponto de virada nos rumos da ditadura de 1974, devido aos seus desdobramentos posteriores.

Também naquele mesmo ano, sob o rescaldo de uma derrota acachapante nas eleições anteriores, a “ala” política do governo muda a legislação eleitoral para o pleito municipal, com o fito de evitar que os candidatos da oposição usassem o rádio e a televisão para denunciar as desaparições, exílios, mortes, torturas e outras práticas desenvolvidas nos “DOICODs” pelo Brasil a fora. No Congresso Nacional, com ampla maioria de votos, o governo presidido por Ernesto Geisel (1974-1979), impõe a “Lei Falcão”, que regeria a propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

Assim, caros leitores, se configura o cenário político e social no qual se desenrolara o pleito para as câmaras e prefeituras municipais, marcadas para novembro daquele ano em que o salário mínimo era de  768 cruzeiros e, pouco a pouco, os “peg-pag” se faziam hegemônicos nas grandes cidades e, logo, chegariam também em Alagoinhas.

É cediço que as eleições na urbe alagoinhense costumam ser tão tensas quanto movimentadas. E, em 1976 não foi muito diferente. Com pouco mais de quinze anos, este escrevedor acompanhou alguns dos desenrolares da campanha encetada pelos que postulavam ocupar a cadeira principal do Paço Municipal, para o quadriênio 1977-1980, ainda que à uma certa distância e com pouca compreensão – para não dizer nenhuma – da complexidade econômica, política e social daquele tão importante evento para os destinos da sua cidade.

Após um período de grandes e graves turbulências políticas, a urbe alagoinhense se movimentava para escolher o seu novo alcaide.

O então prefeito, Judélio Carmo, escalou o vereador Marco Antunes para sucedê-lo no Paço Municipal. Judélio vinha de uma batalha política no legislativo, açulada por líderes ligados à elite social e econômica local, que não aceitara a eleição de um elemento da oposição, inclusive, cogitando não dar posse ao sufragado nas urnas.

Enquanto se esforçava para dar concretude aos seus projetos para o desenvolvimento de Alagoinhas, Judélio enfrentara articulações tão diversas quanto sórdidas, no sentido de emperrar o andamento de suas ações administrativas, de suas políticas de urbanização e saneamento, tendo de enfrentar um processo que o alijaria das suas funções e atribuições no executivo, recuperando-as por meio de ação judicial.

Por sua vez, a velha elite política alagoinhense, fez uso do instituto da “sublegenda”, no intuito de enfrentar o candidato que o então prefeito pretendia que lhe sucedesse. O comerciante de carnes Miguel Santos Fontes, o bancário Solon Barros e o engenheiro civil Filadelfo Pinto Meireles Neto foram os postulantes da Arena, convocados a enfrentar a candidatura do MDB.

Crê-se que o instituto da “sublegenda”, embora tenha sido criado no final da década de 1960, fora usado pela primeira vez em Alagoinhas, no processo eleitoral em exame, visto que, no pleito anterior, a direita local fora fragorosamente derrotada pela ‘zebra”.

O partido da “Aliança Renovadora Nacional (ARENA)”, como já foi dito, convocara as suas principais lideranças para cerrar fileiras contra o candidato do “Movimento Democrático Brasileiro (MDB)”, a fim de derrotar não só o postulante ao cargo de prefeito, como, sobretudo, derrotar o então ocupante do Paço Municipal, na tentativa de impedir que ele fizesse o sucessor e, crescesse no conceito dos seus munícipes, como uma liderança consolidada, capaz de conduzir os destinos de sua cidade, operando em outros moldes, que não os ditados pelas envelhecidas elites locais.

Uma das apostas feitas pela direita alagoinhense, naquele momento em que o MDB apresentava um candidato jovem, foi a tentativa de passar para a sociedade a ideia de renovação, também apresentando um candidato jovem, entre os três que postulariam o sufrágio dos 30 mil e 866 cidadãos que formavam o conjunto dos que estavam aptos a votar.

Tratou-se de induzir a dúvida no eleitor, através daquilo que se chamaria “o mito do novo na política”, aliás, muito em uso nos dias que se chamam “hoje”.

MAIS VOTADO

Saliente-se que, Marco Antunes, candidato do MBD, individualmente, foi o mais votado, mas a soma dos três candidatos da ARENA resultou na vitória de Miguel Santos Fontes, o mais sufragado entre os arenistas.

Assim, em Alagoinhas, aquele artifício da ditadura militar garantiu a um arenista a chefia do Executivo municipal entre 1977-1982. 

Miguel Santos Fontes foi premiado por mais um casuísmo da ditadura: a extensão de seu mandato para 1982, quando, inicialmente, seria até 1980.  

 

Jorge Damasceno é doutor em História Social (UFF) e professor da UNEB

Especial para o Alagoinhas Hoje

01 de novembro de 2020

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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