Advogado acusa policial de tortura dentro de delegacia

agressão

O advogado Samuel da Silva, 28 anos, passou por momentos de terror no domingo retrasado (10), quando foi se divertir em um bloco de Carnaval na Lapa, no Centro do Rio. Acompanhado de um amigo, Samuel se perdeu dele por volta das 21h. Abordado por um policial militar instantes após perder de vista sua companhia, ele encontraria alívio somente às 2h de segunda-feira. Nas cinco horas que seguiram, Samuel acusa um policial civil de tortura com a anuência de um delegado, agentes da Lapa Presente de agressão e um PM do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (BPTur) de abuso de autoridade.

Segundo a vítima, que procurava seu amigo na Avenida República do Paraguai, próximo aos Arcos da Lapa, o policial militar o abordou com truculência. “Eu estava sem camisa, de bermuda e chinelos e o policial chegou pegando no meu braço e me perguntando o que estava fazendo ali. Afirmei apenas que estava tentando encontrar meu amigo e ele respondeu que me levaria até a delegacia. Eu disse que iria sim, mas para registrar uma ocorrência de abuso de autoridade contra ele, pois não estava fazendo nada”, contou Samuel.

Ainda conforme o relato de Samuel, o policial militar disse que o levaria até a 5ª DP (Mem de Sá) em uma viatura, mas ele recusou-se a acompanhar o agente. “Não recebi voz de prisão, então poderia ir à delegacia a pé”, explicou. Logo após a recusa, o jovem relatou que agentes da Operação Lapa Presente foram até o local em uma van e o agrediram, forçando-o a entrar no veículo e levando-o até a 5ª DP. “Alguns agentes que estavam por ali desceram de uma van e perguntaram o que estava acontecendo. Relatei o fato e disse que iria até a delegacia, mas não na viatura. Nesse momento, alguns deles me agrediram com rasteiras, chutes e empurrões, me forçando a entrar na van.”

Ao chegar na unidade policial, o advogado aguardou atendimento e decidiu enviar mensagens para seu amigo com sua localização, quando percebeu que o PM tirava fotos suas com um celular. “Eu me irritei, pois ele não tinha o direito de fazer isso. De repente, o único policial civil que eu vi por ali me empurrou e perguntou: ‘Quem você pensa que é para falar com uma autoridade desse jeito na delegacia’? e ameaçando tomar meu celular. Logo depois, ele disse: ‘Você quer registrar ocorrência, então vem cá!’ e um delegado apareceu e me perguntou o que eu estava fazendo. Eu disse que nada e o PM falou que eu estava urinando na rua. Desmenti na hora”, disse.

A história ganha contornos surpreendentemente surreais, segundo a vítima. Questionado pelo delegado, identificado por ele apenas como Bonfim, Samuel recusou veementemente estar urinando na rua, mas seus argumentos deram início a uma agressão, com a aprovação da maior autoridade da delegacia. “Pode levar ele pra cela e cuidar bem dele”, foi a frase que o rapaz ouviu de Bonfim antes de ser agredido pelo agente, que não conseguiu identificar. “Levei um soco na nuca do policial civil e caí no chão. Fui chutado diversas vezes e tentei me proteger. Os agentes da Lapa Presente apenas observaram tudo. Toda a agressão durou dois minutos. Depois, eles me ajudaram a levantar e falaram: ‘É melhor você colaborar, se não você pode ficar preso aqui’. Nesse meio tempo, outro agente apareceu e foi fazendo outro registro. Para meu espanto, o termo circunstanciado alega que eu estava urinando na rua, exibindo minha genitália e atentando contra o pudor, o que não aconteceu.”, frisou Samuel.

O inspetor foi sucinto, conforme relato do advogado: “Ou você assina, ou vai passar a noite na cadeia”, teria dito o agente. Acuado, Samuel assentiu. “Assinei o termo e meu amigo conseguiu chegar ao local. De lá, fomos para a 15ª (DP, na Gávea), onde relatei todo o caso e fui encaminhado para o exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e depois fui ao (Hospital Municipal) Miguel Couto. Meu maior medo é que os agentes enviaram de volta meu relato para a 5ª DP. Já procurei a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Alerj) e a Defensoria Pública em busca de auxílio. Vou procurar o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil e grupos de tortura, como o Tortura Nunca Mais”, explicou.

Após o episódio, Samuel terá de comparecer a uma audiência no Juizado Especial Criminal (Jecrim), no dia 24 de abril, onde o caso será analisado. Além de denunciar a tortura, agressão e abuso, Samuel pontua que todo o episódio aconteceu por uma questão social ainda nebulosa no país: o racismo. “Eu sequer fui revistado, eu que me identifiquei para os policiais. O pior de tudo foi achar que eu estava protegido quando apenas queria denunciar um abuso e uma agressão. Talvez se tivesse menos gente na delegacia, eu não estaria aqui para contar o que aconteceu. Sou negro e o que as forças policiais fazem, diariamente, é produzir o extermínio da população pobre e negra no Rio”.

O outro lado

Segundo a 15ª DP (Gávea), o caso foi registrado na distrital como abuso de autoridade e o jovem foi ouvido e encaminhado para realizar exame de corpo de delito. A delegacia confirmou ainda que o registro foi enviado para a 5ª DP (Mem de Sá), que instaurou uma sindicância para apurar a denúncia do advogado. De acordo com a Polícia Civil, a Corregedoria Interna da instituição (Coinpol) também está acompanhando o caso.

Procuradas pelo Dia, as assessorias da Polícia Militar e da Operação Lapa Presente estão apurando as denúncias.

Fonte: O Dia

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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