A política como ela é – André Singer
Como entender que, na mesma semana, a Câmara dos Deputados aprove, por grande maioria, o Marco Civil da Internet, uma vitória de Dilma Rousseff, e a oposição consiga número suficiente para criar, no Senado, a CPI da Petrobras, um petardo contra a presidente? Ao fim e ao cabo, para aonde pende o Parlamento?
A resposta varia, em boa medida, da capacidade do Executivo, a cada round, fazer concessões pontuais, pouco visíveis, e praticamente infinitas. Senão, vejamos.
O conflito central com relação à rede de computadores colocou de um lado as companhias telefônicas, ansiosas por ter uma legislação que facilitasse a exploração econômica do acesso à web, e de outro os que desejavam evitar que os donos das “linhas”, como se diria em linguagem antiga, pudessem intervir na escolha do conteúdo, oferecendo velocidade diferenciada para aquilo que quisessem vender.
De associações de defensores da democracia na rede até grandes provedores de conteúdo, como a maior emissora de TV do país, passando por gigantes do mundo digital, como o Google, havia uma multidão de interessados em coibir o poder das empresas de telefonia. Mesmo assim, o lobby destas foi forte o suficiente para bloquear a votação na Câmara desde 2011 até os 40 do segundo tempo, pois sendo ano de Copa e eleição nada vai ser apreciado pelo Parlamento depois de maio.
À frente da tropa alinhada com a visão telefônica, estava nada menos que a liderança do PMDB, responsável pela montagem da coalizão que derrotou Dilma duas vezes no começo de 2014. Como foi possível, então, isolar o líder rebelde e fazer passar o projeto de internet democrática?
A resposta lembra um pouco o filme “Lincoln”, de Steven Spielberg. Quem viu, entenderá. A quem não viu, recomendo. Pequeno exemplo, entre muitos: o Planalto acelerou a reforma ministerial, dando posse a ministros uma semana antes da votação do Marco Civil. Com a nova configuração da Esplanada o PP e o Pros, –59 votos na Câmara–, voltaram ao colo da presidente.
Mas por que, então, a mesma maioria não funcionou para bloquear a CPI da Petrobras? Por que a negociação anterior se esgota nela mesma. Uma vez que a presidente foi colocada nas cordas no assunto Petrobras, novas exigências, e novas concessões, serão feitas.
Em resumo, uma ampla camada de parlamentares fisiológicos chantageia o governo –qualquer um– obrigando-o a negociar no varejo de modo ininterrupto. No meio dessas negociações complicadas e inevitáveis, o interesse nacional –seja o de democracia na internet, seja a preservação do patrimônio público na maior estatal brasileira– vira mera moeda de troca.
André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
Fonte: Folha de São Paulo