O escândalo do Metrô em São Paulo – José Dirceu

O escândalo da formação de cartel para fraudar licitações do Metrô de São Paulo e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) finalmente recebeu o tratamento adequado na cobertura da imprensa. A revista IstoÉ teve a coragem de chamar as coisas pelo nome: “O propinoduto do tucanato paulista” é a chamada de capa de sua última edição.

As suspeitas sobre pagamento de propina e sobre a ilicitude de contratos firmados pelo governo de São Paulo, controlado há 20 anos pelo PSDB, não são novidade em si. O fato novo é que a multinacional alemã Siemens denunciou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em troca de imunidade civil e criminal, que fazia parte de um cartel que atuava em licitações para compra de equipamento ferroviário e na construção e manutenção de linhas de trem e metrô.

A reportagem da IstoÉ é precisa em fornecer detalhes sobre o funcionamento do esquema delatado pela Siemens. Há informações que não haviam sido divulgadas por nenhum outro veículo de comunicação. Mas o maior mérito foi algo simples: não omitir quem foi o grupo político à sombra do qual se desenvolveu essa organização que fraudava licitações bilionárias.

Sim, pois foram poucos os veículos que noticiaram a fraude — e, desses poucos, nenhum fez questão de responsabilizar diretamente o PSDB, no mínimo por omissão, pelo florescimento do esquema.

Parece até que a grande mídia “combinou” de não tocar no assunto…

O tratamento dispensado pelos jornais a uma acusação política varia enormemente de acordo com a filiação partidária dos envolvidos. Se é possível implicar quadros de outras legendas, os jornais invariavelmente carregam nas tintas.

Citam o partido nas manchetes e nos títulos das reportagens e exigem um posicionamento de suas lideranças, como se eles fossem cúmplices de um crime. Se os envolvidos forem do PSDB, esse detalhe só é mencionado en passant.

No caso da fraude nas licitações do Metrô e da CPTM não foi diferente. A Folha de S.Paulo publicou a notícia no caderno Cotidiano, bem longe do noticiário político, onde se espera que esse tipo de escândalo seja noticiado.

O governo paulista, que nas últimas duas décadas esteve nas mãos dos tucanos Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, é apresentado como um mero espectador passivo do escândalo. O governador Alckmin, que cumpre seu terceiro mandato, “prometeu investigar” o episódio, e o jornal se deu por satisfeito. O assunto já está minguando.

É possível imaginar tratamento parecido caso a denúncia não envolvesse um tucano?

E há veículos de comunicação que foram ainda mais generosos com o PSDB. Boa parte não achou sequer digno de registro o fato de uma multinacional denunciar um esquema de fraude num setor bilionário do governo do Estado mais rico do país.

Só por não ter se rendido ao pacto de silêncio da mídia, a IstoÉ merece elogios. Mas a revista ainda trouxe informações fundamentais para compreender a extensão e a gravidade da fraude.

Por exemplo: as empresas formadoras do cartel “manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão”. Vale lembrar que as suspeitas sobre os contratos já existiam desde 2008 e que, mesmo assim, “nenhuma providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse”.

Em vez disso, as empresas denunciadas — de acordo com a Siemens, entre os envolvidos estão a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui — continuaram vencendo licitações e assinando contratos milionários com a administração do PSDB em São Paulo.

Investigações conduzidas na Europa apontam o desvio de no mínimo US$ 50 milhões dos cofres públicos pelo que a IstoÉ chamou de “propinoduto tucano”. Será que, para os barões da imprensa nativa, nada disso parece de interesse da população brasileira? Ou esse movimento tem contornos de cartelização no já monopolizado segmento da grande mídia?

A certeza é uma só: as manifestações de rua contra o mau uso do dinheiro público precisam reverberar em mudanças profundas na forma como a política é exercida no país, em seus mais diversos níveis. Em São Paulo, é preciso cobrar mais dos governos do PSDB, há duas décadas de contínuos mandatos sem atender o que realmente a população paulista precisa.

José Dirceu, 67, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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