Falhas no Ciência sem Fronteiras fazem governo aumentar rigor sobre bolsista

As falhas observadas no Ciência sem Fronteiras – programa que dá bolsas para universitários estudarem no exterior – levaram o Governo Federal a propor mecanismos mais rigorosos visando a um maior controle das atividades dos bolsistas durante o intercâmbio realizado em instituições de ensino estrangeiras. O programa, criado em 2011, conta com um orçamento de mais de R$ 3 bilhões e, neste momento, já está passando por uma fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU).

Conforme documento a que o iG Educação teve acesso, elaborado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – um dos órgãos federais responsáveis pelo programa –, bolsistas que iniciarão os estudos agora em setembro de 2014 já serão obrigados a formalizarem um plano de estudo.

“O Learning Agreement deverá ser formalmente estabelecido pelo estudante e pela universidade estrangeira. Este plano deverá ser levado ao conhecimento da universidade brasileira de forma a facilitar o controle e o reconhecimento de atividades acadêmicas realizadas pelo bolsista quando de seu retorno”, diz relatório que foi encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Hoje, muitos estudantes seguem para o exterior sem um plano de estudos definido. Assim, a escolha das disciplinas a serem cursadas não passam pelo crivo da universidade brasileira. Sem a chancela de coordenadores de cursos nacionais, é comum as disciplinas cursadas no exterior serem simplesmente descartadas pela universidade de origem no momento de reconhecimento dos créditos cursados lá fora.

Outra medida proposta pelo CNPq para aumentar o rigor no controle do bolsista do CsF é a exigência da elaboração de um relatório parcial após 6 meses de estudo. Atualmente, estudantes do CsF apresentam no final da bolsa apenas um “balanço” das atividades realizadas durante o intercâmbio. Muitos deles, conforme a reportagem apurou, não recebem nenhum tipo de feedback. Agora, com o relatório parcial será possível, por exemplo, controlar o número de disciplinas cursadas, o desempenho do estudante em atividades acadêmicas e até confirmar em que universidade o aluno atualmente estuda – informação que chega a ser desconhecida por algumas instituições brasileiras.

“A grande falha atual é que ainda estamos em uma situação de fragilidade no acompanhamento de estudantes. A universidade no Brasil não mantém uma relação institucional do aluno. Não sabemos onde ele está, onde ele mora e o que ele está cursando no exterior”, diz Custódio Almeida, pró-reitor de graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Almeida é uma das principais vozes da comunidade universitária brasileira que veem alertando o governo sobre os problemas do Ciência sem Fronteiras. “O CsF é uma ação que merece todo o nosso apoio, mas precisam ser feitos ajustes necessários para que o programa, que visa a internalização da graduação brasileira seja, de fato, efetivo”, fala o pró-reitor da UFC.

Atento às críticas das universidades que se sentem muitas vezes à parte em relação à condução do programa, o CNPq também pretende “viabilizar um canal mais direto de acesso a informações sensíveis e de interesse dos coordenadores institucionais”, que são os responsáveis pelo programa nas instituições de ensino.

Além disso, o órgão de fomento federal vai propor um “estudo de viabilidade de criação de um comitê consultivo composto por representantes das universidades, no sentido de estreitar a colaboração entre as mesmas e o CNPq para o aprimoramento do programa”.

Por fim, o governo ainda vai criar outros mecanismos de monitoramento do impacto do programa e das atividades realizadas pelos bolsistas. Entre as ações previstas estão a “contratação de consultores externos para a realização de avaliação do programa; mobilização de um ou mais técnicos do CNPq para a extração de dados do relatórios e levantamento de outros dados pertinentes e utilização da base de dados para estudos mais detalhados acerca da avaliação dos estudantes em relação a vários aspectos abordados da instituição de ensino no exterior”.

Inicialmente, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) – organização vinculada ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) –, está conduzindo um levantamento preliminar sobre os elementos de avaliação dos impactos do CsF.

O principal objetivo do programa é contribuir de forma eficiente com a produção científica, inovação e o desenvolvimento da ciência brasileira. O foco do CsF são os universitários das áreas Tecnológicas, de Engenharia e Saúde.

Tendo com objetivo principal aumentar o controle das atividades realizadas pelos bolsistas no exterior, o conjunto das medidas propostas pelo governo ataca diretamente aqueles bolsistas que preferem colocar os estudos em segundo plano e acabam aderindo ao “Turismo sem Fronteiras”.

Nessa “modalidade de intercâmbio” – apelidada pelos próprios bolsistas –, o estudante se matricula apenas em duas disciplinas por semestre, geralmente as mais fáceis, e se volta a viagens “de mochilão” por países da Europa ou cidades norte-americanas. Cada universitário ganha, aproximadamente, R$ 60 mil por ano.

Se já houvesse um sistema mais integrado que pudesse disponibilizar informações em tempo real sobre a condição do bolsista no exterior, provavelmente, a expulsão de uma aluna brasileira na Escócia poderia ser evitada, sugerem especialistas consultados pela reportagem.

O visto da estudante – que não teve o seu nome revelado pelo governo – foi cancelado pela Universidade de Strathclyde, localizada em Glasgow, por conta da ausência da estudante nas aulas e a falta de resposta aos comunicados da universidade pelo período de dois meses. Com a bolsa cancelada, ela foi obrigada a retornar ao Brasil. Também foi solicitada a devolução total dos recursos bancados pelo governo.

Razão dos problemas

Para o professor de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sérgio Rezende, que já foi ex-ministro da Ciência e Tecnologia, os problemas do programa são fruto do tamanho da própria iniciativa.

“O CsF é um programa muito importante, foi uma grande ideia do governo. O problema é que ele foi criado com um número muito grande de bolsistas. Deveria ser criado com menos estudantes, para que pudesse crescer com qualidade. Foram ignoradas as próprias limitações das agências [de fomento]”, diz Rezende.

O ex-ministro da Ciência e Tecnologia, no entanto, sugere que o controle não deve ser “muito rígido”. “Eu concordo que são precisos alguns ajustes e um acompanhamento melhor do aluno. Mas não penso que o controle deva ser muito rígido. O aluno deve ter a opção de escolher o que cursar. As universidades não podem impor as disciplinas, devem apenas orientar melhor o estudante durante o processo de escolha dos créditos”, diz Rezende.

O problema é que há instituições que não fornecem orientações adequadas para os estudantes antes da partida para o exterior, afirma a ex-bolsista do CsF Débora Maranhão, de 22 anos. Segundo ela, as universidades brasileiras deveriam instruir melhor os bolsistas para que o intercâmbio ocorre de forma eficiente.

“Fazer intercâmbio no exterior é algo complexo, é um mundo novo. É preciso que as universidades orientem mais o aluno sobre o que ele vai encontrar lá fora, sobre o método de ensino do país no exterior e sobre quais sãos as disciplinas mais adequadas que ele deve cursar”, diz Débora, que é estudante de Engenharia Química. Ela fez intercâmbio na Alemanha de fevereiro de 2013 a março de 2014.

Fonte: iG

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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