José Murilo de Carvalho: ‘O Brasil não será um grande país. Estou pessimista’

O imortal, cientista político e historiador diz que não há nada a celebrar nos 200 anos da Independência e reflete sobre as causas das desigualdades no Brasil

Ocupante da cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras, cientista político, historiador consagrado com passagem por instituições americanas e europeias, pós-doutor pela Universidade de Stanford, José Murilo de Carvalho, de 83 anos, conversou com o jornal Público, de Portugal, na sede da ABL, no Rio, em entrevista marcada pelo desencanto com o Brasil atual. “Talvez seja a minha idade”, afirma ele, que coordena a série “200 anos de Brasil na ABL”.

Seguem abaixo os principais trechos da conversa, editados pelo GLOBO dentro da série de reportagens 200+20, que busca expandir os limites da efeméride histórica e oferecer aos leitores reflexões sobre o Brasil mirando seu futuro.

O Brasil parece estar completamente abstraído do Bicentenário da Independência. Como explicar esse alheamento?

A celebração dos 200 anos da chegada da Corte ao Brasil, em 2008, foi quase nacional. O governo, à época, assumiu a liderança, o de hoje não se esforça muito. O ambiente do país, por sua vez, não está pra celebrações.

Era de se esperar que um governo de direita, mais apegado aos ideais nacionalistas, tivesse apostado mais na data, não?

Certamente. O presidente Jair Bolsonaro é de direita, mas é um bronco, totalmente inculto. Não tem nenhuma sensibilidade pra estas coisas, não dá valor.

O Brasil vive um ambiente de desistência cívica?

Há uma sensação de fracasso. Não temos como nos transformar numa grande potência. Como disse José Bonifácio, o sonho da Independência foi que, pelo tamanho e pela população, tínhamos condições de nos transformar num “grande império”. Mas quem conseguiu? A China. Qual país vindo da tradição portuguesa ou espanhola teve êxito? Isso faz com que comecemos a perguntar: o que deu errado?

Já tem respostas?

Honestamente, não. Que país construímos ou não construímos? Isso implica olhar pra frente. As desigualdades são escandalosas, somos o sétimo ou oitavo país mais desigual do mundo. O nível educacional melhorou, mas segue muito baixo. O desemprego é enorme. Cerca de 60 milhões de pessoas recebem auxílio federal. Crescendo a 2%, este país tem futuro? Pode ser a minha idade também, mas estou muito pessimista.

Mas não há nada nestes 200 anos da História do Brasil que possa servir de incentivo?

É sempre celebrado o Brasil não ter se fragmentado, tema do meu livro “A construção da ordem”. E assim se manteve por conta de D. João VI. Os portugueses não gostaram muito da vinda dele pra cá, mas foi um gesto político inteligente. Salvou-se a colônia, deu-se às capitanias brasileiras ponto de referência de legitimidade: “O rei está aqui”. Isto fez com que, bem ou mal, os movimentos separatistas se reduzissem, antes da Regência, a Pernambuco. Mais tarde, já havia um núcleo no Rio que derrotou outras tentativas de separação.

Manter a unidade de um país tão vasto e diverso é o maior sucesso do Brasil independente?

É uma pergunta que sempre me faço e não consigo responder. O que foi melhor? Permanecer esse monstro unido, ou teria sido melhor se separar em vários países? Um fator muito forte da identidade nacional é o tamanho gigante e as riquezas naturais do país, o “motivo edênico”. Ter orgulho do Brasil pela Amazônia, mas jamais por nossas lutas. Em matéria de memória, sofremos um Alzheimer coletivo. A unidade foi uma vantagem? Talvez sim. A língua é uma só.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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