Voltando a falar do rádio – II – José Jorge Andrade Damasceno

Corria a década de 1950. No Brasil ela se notabilizava pela chegada de um elemento novo no campo das comunicações em massa, com potencial para promover mudanças substantivas em um prospecto até então ocupado pelo rádio, sobretudo, pela rádio Nacional do Rio de Janeiro, cuja liderança era incontestável, quase inalcançável, não obstante os esforços de outras emissoras em desenvolver programas, criar novos modelos, descobrir novos talentos na arte de entreter e cativar o público ouvinte, intentando se não superar, ao menos aproximar o mais possível os resultados obtidos pela quase imbatível Rádio Nacional. A transmissão simultânea da imagem e do som iniciada a partir da instalação da primeira emissora de televisão em São Paulo, se transforma em um elemento que vai alterar inexoravelmente a história do rádio, uma vez que, pouco a pouco, retira dele o papel que desempenhara até então com maestria e em via de mão única: o de levar entretenimento, diversão, lazer e um certo bem-estar aos seus ouvintes.

Portanto, tratava-se de mudar significativamente os rumos do fazer rádio, no sentido de uma espécie de uma (re) invenção do rádio enquanto veículo comunicacional, na medida em que, naquele momento, ele não mais estaria atuando monoliticamente em termos de idealização e emissão de programas direcionados a um público cativo, que, até então,  não dispunha de outras alternativas, bem como na competição pelo mercado publicitário, que dali em diante teria que ser ainda mais eficiente, na medida em que a novidade da “imagem transmitida” passaria a ser fator de grande impacto no trabalho de convencimento daqueles que iriam investir em peças publicitárias no velho rádio e/ou na nova televisão.

É assim que chega a década de 1960, período em que os dois veículos entram efetivamente em fase competitiva, visto que a televisão passa a se assenhorear cada vez mais  do público e da publicidade que fora exclusivamente do rádio, forçando-o a procurar novos caminhos para si, intentando ao mesmo tempo se (re)inventar para continuar reconhecido como veículo de comunicação importante para a sociedade e, em um segundo momento (res)surgir, a partir de novas características inseridas na sua razão de existir.

Em excelente e lúcida entrevista encontrada na rede mundial de computadores, Mário Luiz, diretor de programação da rádio Globo do Rio de Janeiro por mais de dez anos, assevera que entre 1965 e 1975, o rádio foi obrigado a fazer uma transição de programação, deixando de difundir programas visando a “diversão” de seus ouvintes, passando dali para frente a prestar serviço, a investir no jornalismo – uma novidade que marcaria indelevelmente o rádio nos anos posteriores – e na programação musical, entremeada de comunicação propriamente dita, considerando o cotidiano dos ouvintes.

Mário Luiz afirma ainda que a tal transição exigiu um esforço colossal das equipes envolvidas naquele processo de mudanças no caráter diversionista do rádio para uma comunicação mais próxima ao cotidiano do seu público alvo, na medida em que fora necessária uma renovação quase absoluta do pessoal que iria levar a efeito a nova filosofia de trabalho que o rádio se propunha a formular e tornar prática, uma vez que a televisão levara para compor os seus quadros, o que havia de melhor da “era de ouro” do rádio – que aliás ele diz não ser a “era de ouro do rádio” mas, sim, a “era de ouro da Rádio Nacional”. Para ele, a “era de ouro do rádio” se delineia precisamente a partir das mudanças que são realizadas na maneira como o rádio era feito, como sua programação musical e jornalística era elaborada e levada ao público, visto que havia diversidade de emissoras se esforçando por ter uma programação de excelente nível, associada à credibilidade e à versatilidade que só o rádio poderia proporcionar, por conta de sua instantaneidade. A tal propósito, Áureo Ameno, um outro veterano do rádio conta que,  por ocasião do suicídio de Vargas, ele estava nas proximidades do palácio do Catete e, ao ver a movimentação de populares e tropas, procurou certificar-se do que estaria acontecendo; suspeitando que alguma coisa de grave teria se dado com  o Presidente, correu atabalhoado para a “Birosca de seu Manuel”, solicitou-lhe o telefone e passou o informe para a redação, dando o furo para a emissora que logo levou ao ar em edição extraordinária com Léo Batista, o seu já conhecido noticiário “O Globo no Ar”.

Ainda de acordo com Mário Luiz, locutor de voz bonita, grave e possuidor de excelente dicção, a virada da rádio Globo do Rio de Janeiro se dá precisamente em 1965/66, no sentido de sair do terceiro lugar para o primeiro entre as preferidas do público, alcançando o pleno auge no início da década de 1970. Embora ressalte o trabalho, a dedicação, o empenho, a capacidade e o esforço de todos que ali jornalhavam, o então diretor de programação da emissora carioca, salienta que o fechamento da rádio Mayrink Veiga pela ditadura civil-militar instaurada em abril de 1964 contribuiu para o salto da emissora dos Marinhos na direção de uma liderança que ostentou por várias décadas.

É inegável a excelência daquela equipe de locutores-noticiaristas, comunicadores, programadores e repórteres, coordenados e supervisionados por Mário Luiz e, que, mais dia menos dia, ela e o veículo ao qual devotava tempo e esforço, alcançariam a posição primeva como resultado de tamanha dedicação. Mas a retirada arbitrária de uma das concorrentes e, ainda mais: a melhor das concorrentes, saliente-se, de algum modo enxovalha a bandeira, mancha a coroa e “dá um travo amargo” ao sabor da vitória.

José Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social e professor titular da UNEB (campus Alagoinhas)

Foto: Auditório da Rádio Nacional nos anos 50 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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