Que o amor seja eterno enquanto dure a conversa – Mirian Goldenberg
Querido Ruy, meu imortal preferido,
Acabei de ler seu delicioso livro “A Vida por Escrito: ciência e arte da biografia”. Fiquei muito impressionada com o prólogo: “Direito de vida ou de morte”. E também com o trecho em que você conta o telefonema que recebeu de Dercy Gonçalves, em 1993, convidando-o para escrever sua biografia.
“Pois era essa mulher que me oferecia sua vida para contar. Pena que sua proposta, tão tentadora, tocasse um nervo sensível: a impossibilidade, para mim, de biografar uma pessoa viva. Era algo que eu estabelecera desde que começara a trabalhar com biografias. E tinha um sólido argumento para justificar tal convicção: o biografado vivo torna o trabalho impossível.”
Morri de rir com a reação de Dercy.
“Dercy resmungou qualquer coisa e desligou. Semanas depois, deu uma entrevista ao programa de televisão de Hebe Camargo. ‘E então, Dercy, quando teremos uma biografia sua?’, perguntou Hebe. ‘Sei lá! Convidei o tal do Ruy Castro’, respondeu Dercy, ‘mas ele só gosta de morto’”.
Como leitora voraz de todos os seus livros e colunas, adorei descobrir como você escolhe seus biografados e temas.
“Para mim, a escolha de um biografado ou tema é quase sempre uma questão de estalo. É como se o nome ou a palavra me viesse de repente e se impusesse de forma incontornável. Quero dizer que a decisão não advém de um raciocínio organizado acerca de um assunto sobre o qual eu escolhesse escrever, mas, exatamente, de um estalo –como se o biografado ou o tema é que me escolhesse. Foi assim com a Bossa Nova, Nelson Rodrigues, Ipanema, Carmem Miranda, o samba-canção, o Rio dos anos 20… Não há nisso nada de esotérico ou inexplicável. Na verdade, o estalo me vem porque se trata de um personagem ou assunto com o qual, sem saber, eu já tinha intimidade de anos.”
Além de agradecer por tudo o que aprendi com “A Vida por Escrito”, queria contar que, em um domingo de sol do inverno carioca, vi você e Heloisa caminhando no calçadão de Ipanema. Ao observar vocês dois, lembrei-me do que Rubem Alves, meu cronista favorito, disse sobre a importância da conversa no amor.
“Eu acredito muito numa coisa que Nietzsche disse. Ele disse que quando a gente vai casar com uma pessoa, só há uma pergunta que importa e a pergunta é a seguinte: ‘Terei prazer de conversar com essa pessoa daqui a trinta anos?’. As relações humanas são mantidas pela capacidade que nós temos de conversar mansamente. Conversar de brincadeira. É preciso que a gente redescubra a conversa não como uma forma de afirmar o seu ponto de vista, mas como uma forma de agradar a outra pessoa.”
Você disse, em uma entrevista para a revista Gama, de 20/4/2020, que o que mais admira em um homem é “a coragem”. E, em uma mulher, “o humor”. E quando perguntaram “Qual é a pessoa viva que você mais admira?”, você respondeu: “Minha mulher, Heloisa Seixas”.