Margaret Thatcher foi a premiê mais destacada desde Churchill
Margaret Thatcher, a mais destacada primeira-ministra britânica desde Winston Churchill, em 1940, e proponente global da recuperação econômica de livre mercado no final do século 20, morreu.
Seu porta-voz, lorde Bell, declarou na segunda-feira: “É com grande pesar que Mark e Carol Thatcher anunciam que sua mãe, a baronesa Thatcher, morreu tranquilamente esta manhã, após sofrer um acidente vascular cerebral. Um comunicado mais completo será feito mais tarde.”
David Cameron disse: “Tomei conhecimento, com grande tristeza, da morte de lady Thatcher. Perdemos uma grande líder, uma grande primeira-ministra e uma grande britânica.”
O Palácio de Buckingham informou que a rainha se entristeceu com a notícia e vai enviar uma mensagem particular de condolências à família de Thatcher.
Primeira mulher a ser eleita para liderar um país ocidental importante, lady Thatcher, título que recebeu depois de deixar o governo, foi primeira-ministra por 11 anos ininterruptos, o período mais longo de qualquer premiê britânico no cargo desde 1827.
Ela só foi deposta em 1990 por um golpe interno do Partido Conservador, depois de sua defesa implacável do “poll tax” (imposto cobrado por pessoa, e não por imóvel) levar a protestos de rua na praça Trafalgar, em Londres.
Thatcher tinha 87 anos, e sua saúde vinha se deteriorando havia alguns anos; ela sofria de demência senil. A morte de sir Denis Thatcher, seu marido por 50 anos e maior confidente, intensificou seu isolamento em sua aposentadoria, que acabou sendo frustrante, não obstante sua atividade mundial dinâmica nos primeiros anos depois de afastar-se da chefia do governo.
Após uma série de pequenos AVCs em 2002, Thatcher afastou-se da vida pública, impossibilitada de fazer o tipo de pronunciamento incisivo que tinha sido seu ponto forte enquanto ela chefiou o governo –e também depois.
Durante a Guerra Fria, a chamada “Dama de Ferro” foi uma aliada importante do presidente americano Ronald Reagan no confronto final com a União Soviética, que acabou por fragmentar-se sob as pressões reformistas lideradas por Mikhail Gorbachev, líder do Kremlin com quem Thatcher, numa declaração que ficaria famosa, afirmou que estaria disposta a “fazer negócios”.
Graças a isso, muitos eleitores comuns em países antes pertencentes ao bloco soviético a viam como corajosa defensora da liberdade deles, visão essa amplamente compartilhada na opinião pública majoritária dos EUA –mas não no Reino Unido nem em países que eram parceiros chaves do Reino Unido na União Europeia.
Margaret Thatcher foi uma política conservadora pouco destacada –apelidada de “Ladra de Leite” quando foi secretária da Educação no governo de Edward Heath (1970-1974), por ter abolido o leite gratuito para crianças de 7 a 11 anos nas escolas públicas– até 1975, quando inesperadamente derrubou seu chefe, duas vezes derrotado, e assumiu a liderança do Partido Conservador.
Em dez anos ela se tornou conhecida em todo o mundo –tanto admirada quanto detestada– por suas reformas domésticas pró-mercado e suas atitudes implacáveis na política externa, incluindo sua batalha prolongada contra o IRA, que quase conseguiu assassiná-la com uma bomba plantada no Grand Hotel em Brighton, em 1984.
Dentro do Reino Unido, a doutrina emergente do thatcherismo pedia a desnacionalização das indústrias estatais –a palavra nova “privatização” foi adotada em muitos países– e a derrota do sindicalismo militante, especialmente do NUM (Sindicato Nacional dos Mineiros), cuja greve de um ano de duração (1984-85) foi amarga e traumática.
Reforçada pela receita recém-chegada das reservas petrolíferas britânicas no Mar do Norte, Thatcher teve margem de manobra para reformar a economia industrial envelhecida de maneiras que seus predecessores no pós-guerra não tinham podido. Ela aproveitou a oportunidade para calar as vozes de seus adversários, incluindo os moderados em seu próprio partido e gabinete.
Mas Thatcher também usou seus deslocamentos na União Europeia, onde marcava presença por levar uma bolsa, e não uma pasta de negócios, para obter concessões para o Reino Unido –“meu dinheiro”, como dizia. Ela não teve sucesso igual em repelir as ambições centralizadoras do “império belga”, como descrevia a Comissão Europeia, especialmente nos anos em que esta foi presidida pelo socialista francês Jacques Delors.
Outro sinal de que ela estava perdendo contato com as realidades do momento se deu quando Thatcher, simpatizante de longa data do regime do apartheid na África do Sul, minimizou a importância de Nelson Mandela, tachando-o de terrorista.
Seus aliados na imprensa tabloide, notadamente o “The Sun”, de Rupert Murdoch, a incentivavam nesse sentido. E, à medida que a economia britânica se recuperou da recessão grave provocada por sua própria prescrição monetarista –para amansar os sindicatos e curar a inflação–, por um período breve Thatcher pareceu invencível.
Mas o poder irrestrito, a derrota ou o afastamento da vida pública de aliados que a tinham refreado, levaram a erros e a sua impopularidade crescente. Quando sir Geoffrey Howe, nominalmente seu vice, acabou divergindo totalmente de Thatcher –principalmente em torno da Europa–, seu devastador discurso de renúncia levou Michael Heseltine a desafiá-la, disputando a liderança do Partido Conservador.
Isso vinha sendo esperado desde que Heseltine tinha renunciado ao cargo de secretário de Defesa em função do caso dos helicópteros Westland, em 1986, o momento anterior em que Thatcher tinha chegado mais perto da morte política.
Heseltine não permitiu que Thatcher tivesse uma vitória inconteste no primeiro turno de votação –na época limitada a parlamentares–, e ela preferiu ceder seu lugar a sir John Major a correr o risco de perder para Heseltine no segundo turno.
Aposentada da vida pública, Margaret Thatcher escreveu sua autobiografia em dois volumes de grande sucesso e fez campanha enérgica em favor da Fundação Thatcher, que promoveu seus valores –o livre mercado e as liberdades anglo-saxãs– em todo o mundo. Ela se tornou moderadamente rica como palestrante e passou o final de sua vida no bairro de Belgravia, em Londres.
Fonte: Folha de São Paulo