Ao contrário do que se imaginava, cuidar dos netos não tem efeito rejuvenescedor, aponta estudo

Muito se fala sobre o “efeito rejuvenescedor” dos netos sobre os avós. Mas uma nova pesquisa europeia sugere que as coisas não são bem assim. Cuidar das crianças pode ser bom, mas talvez seja melhor ainda se não forem suas descendentes.

Muitos estudos vêm apontando vantagens para a saúde mental e física dos idosos que cuidam de seus netos. Mas nenhum investigou esses avós antes e depois do início dessa atividade. Essa é a principal diferença do estudo “Is there a rejuvenating effect of (grand)childcare?”, publicado na semana passada no The Journals of Gerontology.

A pesquisa, que avaliou mais de 7.700 alemães com idades entre 50 e 85 anos, descobriu que cuidar dos netos não fez os avós se sentirem mais jovens do que sua idade real. Foi considerada para a pesquisa, a idade que as pessoas sentem que têm, refletindo seu bem-estar mental e físico.

A pesquisadora austríaca Valeria Bordone, coautora do estudo, participou, em 2016, de uma outra pesquisa sobre a influência dos netos nessa idade subjetiva. Na ocasião, concluiu que pessoas com mais de 65 anos que cuidam de netos se sentem pelo menos dois anos mais jovens do que sua idade. No entanto, ela mudou de posição:

“Este é o primeiro estudo a analisar as mesmas pessoas antes e depois de assumirem os cuidados infantis. Ao contrário de nossas descobertas de 2016, nosso novo estudo não encontrou efeito rejuvenescedor da transição de não cuidadora para cuidadora de netos”, disse ela ao jornal “The Guardian”.

Bordone considera equivocado atribuir uma relação de causa e efeito entre cuidar dos netos e se sentir jovem. Em vez disso, ela disse, é provável que a relação tenha mais a ver com efeitos de seleção ocultos, como traços de personalidade e valores familiares. Em suma, em vez de cuidar das crianças fazer os avós se sentirem jovens, são os avós que já se sentem jovens que cuidam mais dos netos.

A pesquisa trouxe, porém, uma descoberta inesperada: idosos que cuidam de crianças pequenas, que não são parentes, podem se sentir mais novos do que aqueles que cuidam dos netos. A justificativa para isso, segundo Bordone disse ao jornal britânico, é que essas crianças não trazem a mesma lembrança da passagem do tempo e da velhice. “Ser avô ou avó é um lembrete poderoso do envelhecimento de uma pessoa e, como tal, é provável que afete a idade subjetiva”, disse ela.

A geriatra e psiquiatra Roberta França afirma que, na prática, o tal rejuvenescimento no cuidado dos netos depende de como essa atividade é realizada.

— Uma coisa é estar porque quer, outra é ser obrigada a ser a babá da criança todos os dias. Quando o cuidado com os netos é uma imposição, a pessoa é obrigada pela família, isso traz questões porque ser avó não significa não ter uma vida, rotina e afazeres próprios — diz.

A médica lembra de uma paciente que chegou chorando à consulta após ser ‘informada’ que cuidaria dos netos todas as tardes, o que significaria o fim da sua atividade física, encontro com amigas e a obrigação de voltar para o fogão diariamente, a fim de fazer o almoço dos pequenos.

Por outro lado, quando estar com o neto ou outra criança é da vontade dessa pessoa, a troca costuma ser benéfica.

— Quando é feito de forma espontânea, esse encontro de gerações é muito positivo. Os avós contam histórias, as crianças trazem a novidade, a tecnologia. Quantos idosos não aprenderam a tirar uma selfie ou jogar um jogo no computador com as crianças? — diz França.

Se o rejuvenescimento está sendo questionado, o papel da avó tem sido apontado como chave para a evolução humana e seria um dos motivos por trás da longevidade.

Estudo da Universidade Harvard defende que a importância de ter avós ativos fez com que os humanos mantivessem uma boa condição física muito depois dos anos reprodutivos e que isso também explicaria por que o exercício é tão benéfico na velhice.

Esse papel das avós pode ser o motivo pelo qual as mulheres, ao contrário do que acontece em quase todas as espécies animais, podem viver décadas após perder a fertilidade. A análise foi publicada na revista PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos EUA.

A “hipótese da avó” foi desenvolvida a partir da observação de mulheres mais velhas da tribo Hadza no Norte da Tanzânia. A pesquisadora Kristen Hawkes, da Universidade de Utah, viu que essas senhoras eram muito produtivas e coletavam alimentos que mais tarde compartilhavam com suas filhas. Essa generosidade favoreceu que elas lhes dessem mais netos.

A análise das sociedades pré-industriais no Canadá e na Finlândia produziu conclusões semelhantes. No início do século XVII, em Quebec, os registros eclesiásticos permitiam calcular que as mulheres que moravam na mesma paróquia que suas mães tinham em média 1,75 mais filhos do que as irmãs que moravam longe. Na Finlândia, os resultados mostraram tendência semelhante.

Proteção dos bebês

Os frágeis bebês humanos e seus cérebros enormes teriam mais probabilidade de sobreviver e se desenvolver se tivessem avós. Esse importante papel teria trazido, como recompensa, uma vida muito mais longa e saudável para nossa espécie do que para espécies próximas, como os chimpanzés, que geralmente não ultrapassam os 40 anos.

Os humanos estão entre as poucas espécies animais que não podem ter filhos até o fim de seus dias. Os outros são cetáceos dentados, como baleias-piloto, belugas, narvais e orcas, que também têm cérebros grandes.

E o convívio com as gerações anteriores também teria sido um grande impulso cultural para nossa espécie.

— O aumento da longevidade permite uma sobreposição de gerações que possibilita um acúmulo de riquezas excepcionais. Poder reunir três gerações em uma casa é uma fonte de conhecimento que outras espécies não possuem. Os humanos não precisam recomeçar a cada geração — diMaría Martinón Torres, diretora do Centro Nacional de Pesquisas da Evolução Humana, na Espanha. — O sucesso das espécies é reprodutivo, mas a nossa alcançou o sucesso com o aumento do tempo em que não é reprodutiva — afirma.

 

Fonte: O Globo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo