A química humana tem explicação – Ruth de Aquino
Como explicar a química entre Lula e Trump? O que parecia impossível tornou-se possível, disse o presidente brasileiro. Mesmo que nada de bom aconteça a partir do esbarrão e do abraço nos corredores da ONU, rolou ali algo inesperado. Nenhum assessor poderia prever. Ainda mais depois do discurso duro e altivo de Lula. Trump assistiu numa tela, na sala reservada aos oradores da Assembleia das Nações Unidas.
O que houve ali, fora dos olhares das redes sociais? Como isso foi acontecer, após meses de sanções tarifárias dos EUA contra o Brasil? Desde a posse de Trump, nenhum encontro com Lula. Só falas agressivas contra o Supremo e nossa democracia. Só ameaças e suspensões de vistos de brasileiros. Só bullying. Qual faísca de cordialidade se produziu no brevíssimo encontro, sem tradução instantânea ou protocolo?
Poderíamos explicar essa química com uma simplificação óbvia. Ah, são dois populistas, um de direita e um de esquerda. Por isso se respeitam. Ah, os EUA precisam ter um comércio saudável com o Brasil. E vice-versa. Ah, são raposas políticas e por isso se entendem, embora não compartilhem ideologias. Ah, são autênticos e isso basta para construir uma química. Ah, são dois homens de quase 80 anos.
Nada disso bastaria.
A química que transcende diferenças é uma conexão emocional. Sensação de sintonia, conforto e familiaridade. A linguagem corporal ajuda. Se um se inclina em direção ao outro e não afasta o olhar. Sem cabeça baixa. Até uma certa insegurança contribui para a aproximação. Mas o segredo é o sorriso sincero e caloroso. A simpatia que desarma. E isso, você sabe quem tem.
“Acho que a relação humana é 80% química e 20% emoção”, disse Lula em NY, antes de voltar ao Brasil. Estava “feliz”. E surpreso com o caco espontâneo de Trump no discurso na ONU.
“Eu estava entrando, e o líder do Brasil estava saindo”, contou o presidente americano. “Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. (…) Que bom que eu esperei, e combinamos de nos encontrar na semana que vem. Mas ele parecia um homem muito legal. Na verdade, ele gostou de mim, eu gostei dele. Eu só faço negócios com pessoas de quem eu gosto. Quando eu não gosto, eu não gosto. Tivemos ao menos 39 segundos de uma química excelente. É um bom sinal”.
Um dia depois, Lula confirmou o relato, em fala improvisada e entrevista coletiva em NY. Uma fala inteligente, amistosa, bem humorada, bem informada sobre todos os assuntos, surpreendentemente equilibrada. Nada militante. Sem gafes.
“Pintou uma química mesmo”. “Trump estava com uma cara muito simpática e agradável”. “Não há limites para a nossa conversa”. “Torço para que dê certo, porque Brasil e Estados Unidos são as duas maiores democracias do continente”.
Como cantam os Paralamas, nem quero acreditar que vai ser diferente, que tudo mudou. Não vamos nos enganar, conhecemos seus passos, não há nada de novo, nosso erro seria crer que estar lado a lado bastaria.
Sonhar é preciso. Que os dois presidentes se entendam e respeitem o Judiciário e o resultado nas urnas de cada um, pelo bem dos povos brasileiro e americano. O político, já dizia Ulysses Guimarães, é um caçador de nuvens. Esperamos não ser caçados por tempestades.