A primeira inflação a gente nunca esquece: geração enfrenta alta de preços e perde independência

Há um ano, o estudante de História Gabriel Masello, de 21 anos, deixou a casa dos pais, em Niterói, para morar mais perto da escola em que trabalha, no Rio. O que parecia o começo de uma vida independente exigiu uma adaptação. A alta dos custos domésticos o obrigou a dividir o apartamento alugado com um amigo, que vive as mesmas agruras.

Ele conseguiu encaixar aluguel, luz, gás, alimentação e outros itens básicos no orçamento, mas ainda tem dificuldades de fechar as contas porque tudo isso consome 80% do que ganha. Sobra pouco para consumo e lazer, que deixa para o cartão de crédito.

O desconforto vivido por Gabriel é o mesmo de outros jovens entre 20 e 30 anos, que experimentam pela primeira vez inflação alta, prolongada e dispersa entre os preços de vários produtos e serviços do cotidiano, dos transportes aos alimentos.

O IPCA acumulado em 12 meses atingiu 11,3% em março, o sétimo mês consecutivo em dois dígitos. Isso não ocorria desde o surto inflacionário entre novembro de 2002 e novembro de 2003, sob forte influência do dólar.

O cenário se repete agora com o alto desemprego. Nascidos na estabilidade do Plano Real, sem a memória inflacionária dos pais, os jovens são os que têm maior dificuldade de encontrar trabalho e aumentar a renda. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, observa que a crise econômica de 2015 e 2016 — quando a inflação em 12 meses ficou em dois dígitos por quatro meses — provocou um efeito devastador no mercado de trabalho, que não havia se recuperado quando veio a pandemia.

Cálculos do economista e professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha mostram que o dólar chegou a valer R$ 6,82 em outubro de 2002, a preço de hoje. Em janeiro deste ano, a moeda americana atingiu R$ 5,71. O recuo para o patamar atual de R$ 4,85 alivia parte da pressão sobre itens mais sensíveis ao dólar, como combustíveis e alimentos, mas os economistas preveem IPCA acima dos 10% até agosto. Para quem começa a vida, como Gabriel, é um desestímulo.

— Praticamente todos os alimentos do dia a dia aumentaram. Sem dividir apartamento, seria impossível eu morar de aluguel. O cenário econômico me fez deixar a vontade de morar sozinho em segundo plano. Não tem como, sem saber como vai estar o custo de vida. Incerteza é a palavra que resume o momento — diz.

A taxa de desemprego ficou em 11,2% no trimestre encerrado em fevereiro, patamar próximo ao de 2016, e o rendimento médio foi de R$ 2.511, o menor da série histórica para o mesmo trimestre. Levantamento da consultoria iDados mostra que a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos chegou a 22,8% no trimestre encerrado em dezembro do ano passado, bem acima da média geral.

— O quadro fica ainda mais complicado se lembramos que muitos jovens não estão nem tentando entrar no mercado de trabalho. Na pandemia, muitas mães não conseguiam trabalhar porque não tinham como colocar filhos na creche, por exemplo — diz Bruno Ottoni, economista e pesquisador do iDados.

Difícil equilíbrio

Marina Bezerra, de 26 anos, estuda Direito, mas abriu mão do estágio remunerado quando engravidou dos gêmeos Miguel e Raphael, de dois meses, sem o benefício da licença-maternidade. Ela se casou no ano passado com o programador Leonardo Moura, de 25, que tem a única fonte de renda da nova família, moradora da Zona Oeste do Rio. O casal está assustado com a mudança no custo de vida em um ano.

— No começo, era mais equilibrado, mas, de uma hora para outra, tudo ficou meio fora de controle. Antes, eu já sabia quanto custava a manteiga, o café. Hoje, a gente não tem mais noção do preço que vamos encontrar no supermercado — diz Marina, que notou maior variação em carne, óleo de soja, feijão e algumas frutas e legumes. — Quando os gêmeos nasceram, senti o impacto na farmácia. Parece balada com camarote: você entra e não gasta menos de R$ 300.

O casal desligou o ar-condicionado, come menos carne e regula o gás encanado, que se tornou um vilão das finanças do casal. Marina calcula que a conta já tenha se multiplicado por cinco em um ano. Leonardo trabalha numa multinacional que atrela o seu salário ao dólar, o que amorteceu o impacto da inflação nas despesas. Mas a queda recente da cotação gerou efeito inverso.

— Neste mês, ele recebeu quase R$ 5 mil a menos, só com a queda do dólar, imagina somando o impacto da inflação. A gente tinha uma margem de erro, sabia que podia ganhar menos se o dólar caísse, mas foi bastante — diz Marina, que espera o cenário melhorar para buscar um apartamento maior, já que o antigo escritório do pai teve que dar lugar ao quarto dos gêmeos.

O advogado Matheus Ladeira, de 25 anos, adiou o sonho do primeiro carro por tempo indeterminado com a alta dos preços dos automóveis e da gasolina. Desde o ano passado ele divide um apartamento com dois amigos na Zona Sul do Rio, perto do trabalho, mas eles consideram mudar para bairros próximos do Centro, onde o aluguel é mais barato. O salário do advogado é o mesmo desde 2021, mas não é mais suficiente para os gastos que tinha há um ano.

— Tomei susto com o preço do ovo e do café na semana passada. A gente vê que a inflação está acontecendo quando vai ao mercado sem saber os preços que vai encontrar — diz Matheus, que teve o celular furtado e recorreu ao cartão de crédito para comprar outro. — Fiz dívida, mas estou me organizando para pagar.

A corrosão do poder de compra gera um mal-estar no momento em que o jovem enfrenta o desafio de ingressar no mercado de trabalho em meio a uma crise. Isso pode marcar essa geração para o resto da vida, no que a economista e professora da UFF Julia Braga chama de “efeito cicatriz”:

— Muitos pensam em sair do país ou não estudam nem trabalham. Os que conseguem oportunidades têm renda muito baixa, e isso gera um mal-estar. Se o jovem entra no mercado com salário aquém do ideal ou fica sem ocupação em alguns momentos, entre idas e vindas isso pode prejudicar a vida profissional futura, com dura penalidade salarial.

Fonte: O Globo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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