Caixa-preta revela confiança de pilotos até segundos finais antes de tragédias

Trechos finais das caixas-pretas de desastres da aviação comercial brasileira, reunidos no especial de aviação publicado pelo iGnesta semana, revelam a confiança plena dos pilotos em suas aeronaves. O comportamento condicionado durante crises a milhares pés de altitude é fruto de intensas sessões de treinamento e constante reciclagem, segundo pilotos das principais companhias áreas do País ouvidos pela reportagem. “A pane tem que estar na veia, no sangue”, explica um profissional de táxi aéreo.

A gravação do emblemático caso do voo GOL 1907, em 2006, é usado como um exemplo da importante relação entre piloto e co-piloto. Após a inesperada colisão com o jato Legacy é possível ouvir um dos tripulantes dizer “Meu Deus” nos segundos finais e mesmo assim ser amparado com um pedido de “calma” do companheiro. Tal interação é fundamental, explica um piloto com experiência em aeronaves da família Boeing, a mesma do acidente. “Seria mentira dizer que não há tensão, a adrenalina aumenta. Mas um pode trazer o outro para a realidade”.

Durante uma situação de emergência, luzes intermitentes, alarmes e sirenes são disparados de acordo com a gravidade do problema. Para eles, panes de qualquer natureza são previstas e, a partir desse conceito, a reação é imediata. “Logo após a sinalização [da falha] realizo ao menos cinco itens de memória para depois partir para a checklist [lista de procedimentos]”, diz. É unanimidade entre os pilotos ouvidos que o desespero não tem espaço na cabine já que pode eliminar qualquer chance de retomar o controle. “Por isso é comum ouvir gritarias apenas nos últimos segundos. Durante toda a ação o piloto segura o manche e luta por aquilo”, defende o profissional com mais de uma década de experiência.

Os desastres aéreos, que vitimaram 3.527 pessoas em 85 anos no Brasil, segundo levantamento inédito feito pelo iG, são responsáveis pelo surgimento de uma padronização da aviação. “Somos acompanhados desde o primeiro passo dentro de uma aeronave até a saída dela. Não há flexibilidade”, diz. Apesar de “amarrar os pilotos”, os profissionais admitem que a extensa e complexa lista de procedimentos trouxe mais segurança para o setor. Em uma situação de voo sem ocorrências, o trabalho dos tripulantes se resume às operações de pouso e decolagem e ao gerenciamento da programação de voo. “É tão seguro que ficou até chato voar”, classifica um dos entrevistados, aos risos.

Além de todos os procedimentos básicos realizados durante decolagem, voo e pouso, os pilotos são obrigados a passar por um treinamento constante ao longo da carreira. Muitas vezes, quando não estão voando, ocupam lugares em simuladores de voo que reproduzem sensações físicas de todas as falhas possíveis em um avião. “A gente faz um treinamento exaustivo e o simulador é muito próximo do real”, afirma um comandante.

Um piloto normalmente passa por ao menos duas avaliações práticas por ano – uma no simulador e outra durante um voo comercial comum na presença de um agente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Há ainda reciclagem teórica em que o profissional revê todos os conceitos por alguns dias e tem obrigação de acertar uma quantidade mínima de questões para continuar atuando. Todos estes cuidados, aliado à tecnologia, fazem com que seja comum para um piloto passar a carreira inteira sem viver uma situação extrema. “A confiança vem da própria estatística”, complementa o comandante.

Fonte: iG

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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