Jornalista inglês lança livro que desvenda história da tática no futebol

A mesa de bar é sempre um bom lugar para debater futebol. Isso inclui a tática. O livro “A Pirâmide Invertida” começa com uma cena numa mesa de botequim em Lisboa, durante a Eurocopa de 2004, disputada em Portugal.

Um grupo de jornalistas de diversas nacionalidades discutia se a Inglaterra de Sven Goran Eriksson deveria jogar em um 4-4-2 com duas linhas de quatro ou com um losango no meio de campo.

Um repórter inglês levantou-se para dizer que aquilo não tinha a menor importância, porque os jogadores seriam os mesmos. Ao que o repórter inglês Jonathan Wilson ergueu o dedo. Decretou que gente como seu interlocutor deveria ser proibida de assistir futebol. De repente, sentiu seu braço seguro por uma repórter argentina, que dizia: “A formação tática é a única coisa que importa”.

O autor de “A Pirâmide Invertida” é o próprio Jonathan Wilson, que admite o exagero dessa avaliação. Para quem gosta do esporte, a obra de Wilson é essencial.

O jornalista inglês descreve a história tática do futebol. Começa cronologicamente, mas não é só. André Kfouri, que fez a tradução para o português, explica por quê: “O mais surpreendente do livro é contar com uma pesquisa impressionante, por que o futebol é de cada jeito em cada lugar do mundo”.

O primeiro capítulo, intitulado “Da gênese à Pirâmide”, descreve o caos logo depois da criação das 17 regras que existem até hoje. As mudanças de algumas delas, como a permissão do passe para a frente -na prática, a criação do impedimento, em 1866- indicou as primeiras transformações nos desenhos táticos. Passou a haver um zagueiro, dois médios e sete atacantes.

O terceiro capítulo descreve a grande revolução, com a alteração da regra do impedimento, em 1925. Em vez de três adversários, o jogador estaria impedido se não tivesse dois rivais entre si e a linha de fundo no momento do passe. Foi a senha para criação do WM, o primeiro sistema tático realmente organizado, com três beques, dois médios e cinco avantes: “A última revolução do futebol foi em 1925”, disse João Saldanha até sua morte, em 1990.

MUNDO DA BOLA

Um dos encantos de “A Pirâmide Invertida” é não ser apenas cronológico, mas detalhar a história tática de diversos países. “Faço questão de ressaltar que não existe um jeito correto de jogar”, diz Jonathan Wilson, que mergulha na cultura tática de nações futebolísticas como Argentina, Áustria, Hungria, Inglaterra, Itália, Holanda e Brasil, com entrevistas saborosas e histórias inéditas.

O duelo na Argentina entre menottistas, discípulos de Cesar Luis Menotti e do futebol arte, contra bilardistas, adeptos de Carlos Bilardo e do jogo pelo resultado, aparece no segundo capítulo.

A evolução tática do futebol brasileiro é contada minuciosamente desde a década de 1930, com a chegada do treinador húngaro Dori Kurschner, introdutor do WM por aqui. Na sequência, Wilson destrincha a década de 1940, com a influência húngara sobre o trabalho de Flávio Costa, treinador vice-campeão mundial de 1950 pela seleção brasileira.

O autor delicia-se quando trata o Brasil de 1970. “Leve-me para a Lua” é o nome do capítulo sobre aquela Copa: “É certamente significativo que os momentos mais memoráveis do torneio não sejam competitivos”, diz Wilson. Refere-se ao quase gol de Pelé do meio de campo, ao drible da vaca sobre o goleiro uruguaio Mazurkiewcz e ao gol de Carlos Alberto, quando a final contra a Itália já estava decidida.

A versão em português traz a última atualização, já com o trabalho recente de Guardiola. Sempre com o cuidado de Wilson de dizer que a tática é parte inseparável, mas não determinante do futebol.

PREDOMÍNIO DA TÁTICA

Em entrevista à Folha, Jonathan Wilson destaca o papel do Brasil no desenvolvimento tático do futebol.

“Existe um senso comum de que tática está ligada à defesa, mas não está. Em termos de ataque, o Brasil dos anos 1940 a 1970 estava muito acima do resto do mundo”, diz.

Para ele, apesar de a tática ter ganhado importância atualmente, ela está longe de ser o único fator que determina o resultado de uma partida.

Folha – Como você julga a cultura tática na imprensa mundial?

Jonathan Wilson – É difícil dizer. A única cultura que tenho segurança para afirmar é a inglesa e está claro que isso melhorou muito nos últimos dez, 15 anos. Sempre houve poucas discussões e creio que as mídias sociais trouxerem mais conversas. Ainda há muita frase feita e nonsense escrito sobre futebol, mas a cobertura é muito melhor do que dez anos atrás.

Muita gente diz que o Brasil é mais técnica do que tática. Você confirmou isso no seu trabalho?

Não, ao contrário. A linha de quatro zagueiros foi desenvolvida no Brasil, a variação do 4-2-4 para o 4-3-3 aconteceu no país e a seleção de 1970 jogou uma variação única naquele tempo. Existe um senso comum de que tática está ligada à defesa, mas não está. Em termos de ataque, o Brasil dos anos 1940 a 1970 estava muito acima do resto do mundo.

É possível medir a importância da parte tática?

Eu não consigo colocar uma porcentagem. Depende do jogo. Só não consigo separar tática do resto do futebol. Tudo ajuda a determinar quem vence. É muito importante a qualidade dos jogadores, mas também tática, emocional, boa forma física, sorte… Tudo está relacionado. Se sua estratégia explora a fragilidade do adversário, isso pode dar mais confiança ao seu time. Se seu time está cansado, você pode mudar a estratégia para correr menos. É como o corpo humano. Mas hoje a tática pode ser mais importante do que antes, porque o seu adversário está estudando seu time mais do que acontecia antes.

A PIRÂMIDE INVERTIDA
Autor Jonathan Wilson (tradução de André Kfouri)
Editora Grande Área
Quanto R$ 64,90 (472 páginas)
Avaliação Ótimo

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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