Crédito podre cresce, mas reaver dinheiro fica mais difícil

dinheiroO cenário desafiador para a economia brasileira deve elevar o volume de ofertas de carteiras de crédito problemáticas, corroborando o desenvolvimento de um mercado ainda relativamente incipiente no Brasil.

Um esperado efeito favorável nas negociações da taxa de desconto desses portfólios de empréstimos inadimplentes em razão de potencial oferta maior pode, contudo, ser contrabalançado pela dificuldade na retomada dos créditos.

“A piora do cenário econômico acelera a decisão (de venda de carteiras), mas a dificuldade de cobrança também é maior”, disse o presidente da Recovery, Flávio Suchek. A empresa tem o BTG Pactual como maior acionista e se diz líder na gestão e administração de portfólios de créditos em atraso no Brasil.

O executivo não precisou uma taxa média de recuperação, mas destacou que o segmento de pequenas e médias empresas e o núcleo de pessoa física sem garantia (cheque especial e cartão) são os mais afetados em um primeiro momento. E disse já observar pedidos de prazos maiores nas negociações com os endividados.

“Há uma defasagem entre a economia e o impacto real nas pessoas. O país está em um começo de ciclo de aumento de desemprego, a confiança dos consumidores e empresários continua caindo… A grande dúvida é qual o tamanho dessa piora.” Na Recovery, 70 por cento do portfólio total de cerca de 40 bilhões de reais é de créditos inadimplentes voltados para o varejo, que inclui cartão de crédito, cheque especial e financiamentos de veículos.

A taxa de desemprego subiu a 7,9 por cento no primeiro trimestre deste ano na comparação com os três meses anteriores, maior patamar em dois anos. Em abril, a confiança da indústria caiu pelo terceiro mês seguido no país.

Também no mês passado, a confiança do consumidor quebrou uma série de três quedas, mas o primeiro resultado positivo do ano ainda é insuficiente para apontar uma mudança na tendência, de acordo com a Fundação Getulio Vargas, que compila os dados.

As empresas de recuperação de crédito se concentram principalmente em operações com atrasos acima de 360 dias e que já tiveram baixa contábil das instituições credoras.

Segundo a KPMG, o estoque dos chamados “non-performing loas” (NPL) no Brasil é da ordem de 470 bilhões de reais. “Apenas no primeiro trimestre, mais de 15 bilhões de reais devem ter sido incluídos nesta soma referentes a empresas que entraram em recuperação judicial”, disse à Reuters a diretora da área de reestruturação da KPMG no Brasil, Márcia Yagui.

A cifra é relevante se comparada ao estoque total de crédito de cerca de 3 trilhões de reais, segundo dados do Banco Central que não consideram os empréstimos que já tiveram baixa contábil pelos bancos.

CORPORATIVO

O diretor da Jive Investments, empresa de investimentos com foco na originação, aquisição e recuperação de créditos, Guilherme Ferreira, disse que “as recuperações de crédito esperadas hoje são piores do que, por exemplo, há três ou quatro anos”.

Ele também vê um desempenho mais negativo nas carteiras de varejo e explica que, embora o cenário macroeconômico também afete as carteiras corporativas, há algumas “forças contrárias” que beneficiam a recuperação dos créditos nesse último caso. Entre as forças, Ferreira cita um sistema judiciário mais eficiente e digital e uma melhor fiscalização, “o que significa uma maior velocidade no andamento dos processos”. Há ainda mais informação disponível sobre os devedores e seus bens, devido à cultura de compartilhamento e de redes sociais.

A Jive administra um portfólio de três bilhões de reais, com 400 mil nomes na carteira de varejo e 600 empresas. O principal foco da empresa é crescer na área corporativa e Ferreira disse que a combinação de experiência e estrutura para reaver os créditos pode levar a boas oportunidades de negócios.

“O mercado é movido por oferta e demanda. Como existem poucos compradores de grande volume e existe uma tendência de aumentar o volume de venda, é provável que se consiga fazer contas por valores com retornos maiores”, disse.

A Jive negocia a aquisição de carteiras de oito bancos e três empresas. Para aproveitar as oportunidades, a companhia está captando recursos adicionais com terceiros.

VOLUME MAIOR

O presidente da Recovery disse que o potencial efeito na rentabilidade de bancos da desaceleração do crédito deve ajudar na dinâmica do mercado de ativos financeiros podres, com as instituições eventualmente vendendo carteiras para melhorar a eficiência.

No fim de abril, o BC revisou sua estimativa para o estoque do crédito total em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de 61 para 57 por cento em 2015, após divulgar que o estoque atingiu 54,8 por cento do PIB no fim de março.

“No atual momento, com a economia piorando, os bancos começam a olhar para dentro de casa e ver como ser eficiente, como entregar o resultado”, disse Suchek, ressaltando que o melhor cenário seria um volume maior por decisão estratégica das instituições financeiras.

A divulgação de resultados do primeiro trimestre mostrou Bradesco e Itaú elevando suas provisões para os calotes, bem como reduzindo ou contando com o piso das estimativas para a ampliação de suas carteiras de crédito neste ano.

“Há um potencial maior de ofertas de carteiras em razão do crescimento das provisões pelos bancos”, disse Marcia, da KPMG.

“Além do efeito de estoque maior (no aumento de ofertas de carteiras), há as questões de regulamentação que tendem a levar os bancos a realizar a perda com essas carteiras”, acrescentou a executiva.

Ferreira, da Jive, vê oportunidade, em particular, com os bancos públicos. Segundo ele, o esgotamento do modelo de financiamento do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal com aportes do Tesouro Nacional levará as instituições a buscar modelos de mercado para resolver problemas de inadimplência.

“Temos um excesso de oferta de volume de carteiras, com bancos públicos buscando soluções de mercado, enquanto os bancos privados procuram se enquadrar nas regras de Basileia III”, afirmou.

Procurados, representantes de Itaú, Bradesco, Santander Brasil, BB e Caixa não estavam disponíveis para falar sobre o assunto.

EFEITO LAVA JATO

O executivo da Jive também citou a possibilidade de empresas com contratos governamentais ofertarem recebíveis ou precatórios.

Ele cita como exemplo o setor de maquinário pesado, devido à Operação Lava Jato, da Polícia Federal, e disse já ter recebido ofertas de recebíveis de empresas citadas nas investigações.

A diretora da KPMG afirmou que houve um aumento de consultas por esses ativos financeiros.

“Há muitas empresas que detêm esse tipo de ativo e que precisam de liquidez”, destacou Márcia.

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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