Comércio encerra ciclo e país deve focar investimento chinês

O comércio Brasil-China não vai recuperar o dinamismo que teve nos anos de boom das commodities e de recordes de crescimento do PIB chinês. Por isso, os brasileiros precisam se focar agora na atração de investimentos chineses – principalmente na área de infraestrutura, não se restringindo à exploração de recursos naturais.

Essa é a opinião de Clodoaldo Hugueney, ex-embaixador do Brasil na China (2008-2013), que acaba de assumir a presidência do Conselho Empresarial Brasil-China. Para ele, haverá vários anúncios de investimentos durante a visita ao Brasil de Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, em maio.

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Hugueney não está pessimista. Ele acredita que, com a crescente ênfase no consumo em vez de investimentos na China, pode cair um pouco a demanda por commodities como minério de ferro, mas aumentar a procura por alimentos, principalmente proteína animal. Abaixo, trechos da entrevista:

Segundo previsões do FMI, a China vai crescer 6,8% este ano e 6,3% no ano que vem, muito abaixo de 2013 (7,8%) e 2006 (12,6%). Qual é o impacto disso no Brasil?
Hoje todo mundo acompanha a taxa de crescimento chinesa e as reformas da economia. A taxa de crescimento tem impacto na economia mundial, no crescimento de importações e investimentos. E as reformas determinam o que vai ser a China daqui para frente. O Antonio Barros de Castro (economista e consultor do BNDES que morreu em 2011) sempre dizia o seguinte: quando você olha para a China, você está vendo o passado, porque a velocidade da mudança é de tal ordem que você sempre precisa estar olhando para onde a China está indo. Ou seja, tão importante quanto o crescimento do PIB são as reformas que estão ocorrendo na China…

Se as reformas se concretizarem e houver uma mudança significativa no modelo chinês, reduzindo o fator investimento e voltando-se para o consumo, como isso vai nos afetar?
O processo de urbanização da China está avançando e é prioridade do governo transferir 300 milhões de pessoas do campo para a cidade, além de urbanizar o interior. Isso vai fazer com que as pessoas consumam mais produto industrializado de agricultura, carne industrializada, sucos de frutas, o que abre uma grande perspectiva para o agronegócio brasileiro.

E não só para exportação, mas também para investimentos em supermercados, restaurantes. Quando eu era embaixador, tudo quanto era chinês queria comer churrasco brasileiro, e nunca nenhuma grande cadeia de churrascaria brasileira se interessou. Quem for vai ganhar muito dinheiro.

Quando eu era garoto na escola, o professor de geografia sempre dizia: “O dia em que o chinês tomar uma xícara de café por dia, vai ser a solução do Brasil”. Hoje o consumo de café na China cresce 20% ao ano. Quem está se beneficiando disso? Starbucks, Illy, Lavazzo. Não tem nenhum grupo brasileiro. Acho que temos um espaço enorme. E a área de serviços, dentro desse processo de reformas, vai crescer de forma significativa. O setor de serviços é muito pouco desenvolvido na China. O Brasil é competitivo em automação bancária, software especializado.

As exportações brasileiras para a China caíram 35% no primeiro trimestre, em grande parte puxadas pela queda em minério de ferro e soja. Nossas vendas de minério de ferro para a China vão continuar sofrendo muito, agora que a China desacelerou e não quer mais se concentrar em grandes projetos de infraestrutura?
Eu não diria isso. Eu acho que você não vai crescer às taxas que crescia, primeiro porque a economia chinesa não vai voltar a crescer a dois dígitos. E segundo porque a economia chinesa vai ter que promover enxugamento do setor siderúrgico chinês, com corte de produção.

Mas ao mesmo tempo, se você olhar o que está acontecendo na área de minério de ferro, há uma perspectiva de consolidação da produção. Já vi análises que fazem uma analogia com o que os sauditas estão fazendo na área do petróleo. Eles estão segurando o preço lá embaixo para liquidar os produtores menores. A Vale é um gigante com muita reserva de ferro e logística muito eficiente, que vai sair ganhando em uma consolidação do setor. Eu acho que você vai liquidar uma parte de produção de minério de ferro na China que não é eficiente e tem problemas ambientais.

Quais áreas o senhor vê como muito promissoras para o Brasil na China?
Nos últimos anos, a relação Brasil China foi sustentada pelo comércio. Em alguns anos, sobretudo após a crise de 2008 quando a China se transformou no maior parceiro comercial do Brasil, o comércio cresceu 40%, com um superavit brasileiro gigantesco. Minha sensação é de que esse ciclo terminou, porque o superciclo das commodities foi excepcional e a economia chinesa não vai mais crescer às taxas que crescia. Com a economia brasileira em período de ajuste, também não teremos demanda por importações chinesas ao nível que tínhamos.

O comércio vai seguir sendo extraordinariamente importante, porque atingiu um valor muito significativo, mas a meu ver não terá o dinamismo que teve no período anterior. O que pomos no lugar disso? Investimentos. Os chineses vão acelerar o processo de investimentos no exterior, com incentivo do governo chinês para empresas comprarem outras no exterior ou iniciarem negócios. O Brasil se beneficiou disso, entraram várias empresas chinesas aqui. Agora esse processo vai ganhar uma dimensão maior. Não só investimentos nas áreas de recursos naturais, que é onde a China tem uma necessidade importante. Na infraestrutura, por exemplo, nós temos um deficit brutal. Esse deficit passou a ser um inibidor importante principalmente para exportação do agronegócio.

Existe um certo ceticismo quando se fala em investimento chinês, grandes anúncios trazem à lembrança o caso da Foxconn, taiwanesa mas de atuação chinesa, que teria prometido investir US$ 12 bilhões e ficou muito aquém disso…
Não vou nem entrar na história da Foxconn porque sempre achei que aquilo ali…sei lá… Mas uma parte é algo que o Levy (Joaquim Levy, ministro da Fazenda) falou em Washington e que as pessoas estão dizendo há uns 15 anos: o Brasil tem que modernizar o ambiente de negócios. Vai ficando cada vez mais difícil você atrair investimentos se todas as estatísticas dizem que para abrir uma empresa aqui é uma burocracia inacreditável, que temos um sistema fiscal que ninguém consegue entender. Temos de fazer um esforço interno de modernização, simplificação. Eu me lembro até hoje de quando a Intel queria se instalar no Brasil e acabou na Costa Rica.

Por que hoje em dia só há 80 empresas brasileiras instaladas na China?
Porque não é fácil. Na China você está competindo com o mundo inteiro. Quando eu cheguei em Pequim no final de 2008, o estoque de investimentos chineses no Brasil era semelhante ao estoque de investimentos brasileiros na China, em torno de US$ 300, 400 milhões.

Hoje, nosso estoque na China continua em US$ 300 milhões, enquanto os chineses tem um estoque de investimentos de US$ 25 bilhões aqui no Brasil. Mas quem investiu na China teve sucesso. A Weg é um exemplo de uma empresa que está fazendo aposta no mercado chinês. É um investimento recente e não para de se expandir na China.

Por que o Brasil não conseguiu diversificar a pauta de exportações para a China, que continuam muito concentradas em commodities?
Isso não é uma coisa trivial, você tem que transformar a China em prioridade do ponto de vista empresarial, como fizeram Alemanha, EUA, França, Coreia. Aqui no Brasil a China só é prioridade do ponto de vista defensivo, não ofensivo. Eu passei quase cinco anos lá e recebi pouquíssimas missões da área industrial e de serviços. As pessoas consideravam a China muito complicada, porque lá só falam chinês, tem governo autoritário. Diziam que os chineses eram tão competitivos que não teriam condições de enfrentá-los.

Ainda há barreiras importantes na China para produtos brasileiros, como as enfrentadas pela carne bovina…
Na realidade, não é que deixamos de exportar carne para a China, vendemos para Hong Kong. Esse setor é protegido, mas acho que isso vai ser resolvido definitivamente agora na visita (do primeiro-ministro). Para os importadores chineses interessa manter a compra via Hong Kong, porque o imposto é muito menor. E há também o protecionismo dos produtores locais. Quando você come mais carne de boi, come menos carne de porco. E existem centenas de milhões de chineses que vivem de criar porco. Mas o governo chinês estava perdendo arrecadação e agora começou a fechar o cerco.

O Brasil entrou no AIIB, o banco de infraestrutura asiático criado pela China. Qual é a vantagem?
Muito grande. A decisão foi correta e acompanhou a esmagadora maioria dos países europeus e asiáticos. Do ponto de vista político, nos ajuda a manter boa relação com os chineses. Mas o mais importante é que isso abre um mercado gigantesco para as empresas brasileiras de consultoria, engenharia e construção. Vamos ter vantagens nas concorrências.

E onde se encaixa o banco dos Brics, que nem saiu do papel?
Acho que são iniciativas complementares, o deficit de financiamento em infraestrutura é gigantesco.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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