2015 terá acirramento de lutas sociais no Brasil, afirma líder dos sem-teto

A disposição de cortar gastos por parte de quem tem a chave dos dois maiores cofres públicos do País – a presidente Dilma Rousseff (PT) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) – será combustível para fazer de 2015 um ano de confrontos, avalia o líder do movimento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), organização que chegou a levar, em um único ato, 12 mil pessoas às ruas em São Paulo no ano passado.

“Acho que a tendência é você ter um acirramento das lutas sociais no País”, afirma Guilherme Boulos, coordenador do MTST, em entrevista ao iG.

A expectativa de Boulos é que haja uma convergência entre mobilizações trabalhistas e aquelas relacionadas a outros direitos, como habitação (no caso do MTST) e transporte (no caso do Movimento Passe Livre), que tiveram mais destaque em 2014 e 2013, respectivamente.

“Esse ano é difícil dizer o que vai prevalecer, mas vai haver uma confluência de lutas.”

iG – Num ano em que a expectativa é de dificuldade para a economia e em que se fala em ajuste, como devem se comportar os movimentos sociais?

Guilherme Boulos – A tendência é você ter um acirramento das lutas sociais no País. O ajuste anunciado pela presidente Dilma significa o corte de investimento social e ataque a direitos trabalhistas e previdenciários. Isso ficou claro em relação a seguro-desemprego e pensões [que tiveram endurecimento de regras de concessão]. Chega-se a falar em R$ 100 bilhões de cortes pela equipe econômica. Isso tem efeitos concretos, como bloquear investimentos sociais. [É] entender que o corte tem que ser pelos mais pobres. O que se tenta fazer é que os mais pobres paguem pela crise.

iG – Haverá um protagonismo maior dos movimentos com pautas específicas, como é o caso do MTST e do Movimento Passe Livre (MPL), ou uma maior participação do movimento sindical tradicional?

Boulos – É um equívoco achar que as pautas de lutas trabalhistas não tiveram destaques nos últimos anos. O ano de 2012 foi o pico de greves no País desde a década de 1990. Pipocaram greves importantes nos setores de transporte, limpeza pública. No ano passado foram os bancários e várias categorias importantes. Isso tende a se intensificar com outras lutas. [Os movimentos com pautas específicas] tiveram mais visibilidade. Mas em 2013 e 2014 tivemos  [também] greves e lutas trabalhistas. [Em 2014] até pelo nível de mobilização, a luta por moradia teve destaque. Em 2013, pelo que ocorreu em junho, o tema da mobilidade teve um foco maior. Este ano é difícil dizer o que vai prevalecer, mas vai haver uma confluência de lutas que esperamos que também se fortaleça mais no âmbito sindical.

iG – Quais são os principais pontos da pauta do MTST para 2015?

Boulos – Primeiro, o MTST vai continuar defendendo uma transformação no Minha Casa, Minha Vida. Entendemos que o programa está voltado essencialmente para o interesse das construtoras e por isso não atende como deveria as pessoas que mais necessitam. A qualidade dos empreendimentos é muito ruim e a localização é periférica. A forma de lidar é fortalecer a gestão direta pelos beneficiários organizados. A segunda questão é a defesa de uma nova lei do inquilinato, do congelamento dos valores dos aluguéis, que têm subido de uma forma desastrosa e abocanhado o orçamento das famílias mais pobres. E um terceiro tema é uma pauta mais ampla que buscamos construir em conjunto com outros movimentos, que é uma luta pelas reformas populares. A reforma urbana é um dos focos do MTST, mas há várias outras reformas. Não seria necessário um ajuste nas contas públicas contra os trabalhadores se você fizesse uma reforma tributária ou uma auditoria da dívida pública. Rico paga pouco imposto no Brasil. O imposto no Brasil é regressivo, é sobre o consumo. Você tem uma dívida pública que consome 43% do orçamento federal. Ela precisa ser auditada. E há um conjunto de reformas: a reforma agrária, a democratização das comunicações, a própria reforma política.

O que esperar da postura dos governos Dilma e Alckmin e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), em relação às demandas do MTST?

Boulos – Esperamos enfrentamento. E já foram dadas sinalizações claras nesse sentido. Não é só o arrocho. É ilusão acreditar que recursos para habitação não vão ser cortados [no ajuste]. Alckmin anunciou um contingenciamento de R$ 6,6 bilhões. Evidentemente que o recurso para habitação, para a moradia popular vai sofrer. Isso sinaliza um enfrentamento. [Dilma colocou Gilberto] Kassab no Ministério das Cidades. Gilberto Kassab não tem nenhum histórico de interlocução com o movimento. Pelo contrário. Ele tem um histórico de repressão, quando foi prefeito de São Paulo (de 2006 a 2012), de alinhamento estrito com o mercado imobiliário. Com Kassab no ministério, nós vamos ter dificuldades. A Secretaria Estadual de Habitação o Alckmin entregou na jogatina política para o DEM, que talvez seja o partido mais à direita no espectro político do País. Imaginanos que não vai sair coisa muito boa. Em São Paulo [capital], apesar de termos interlocução com o prefeito Haddad, temos dificuldades de avanço das pautas junto à Secretaria Municipal de Habitação. Vai ser um ano de dificuldades, de enfrentamento.

iG – Na sexta-feira (9), o MPL fará uma nova manifestação contra o reajuste das tarifas do transporte público em São Paulo. O MTST pretende participar de alguma forma dessa ação?

Boulos – O MPL tem o nosso apoio nessa mobilização. Não achamos razoável que mais uma vez a pressão dos empresários de ônibus dessa máfia de empresas que controla o transporte público, não só em São Paulo como no País, prevaleça e imponha mais custos ao trabalhador.  O MTST está se organizando para fazer mobilizações também nas periferias de São Paulo em relação ao aumento de tarifa. Não sei se vão ocorrer no dia 9, mas vão ocorrer ações dialogadas e sincronizadas com o MPL.

iG –  Em 2013, a ação dos black blocsacabou afastando os manifestantes das ruas, situação que persistiu em 2014. Nos protestos do MTST, a participação deles pareceu ser menor. Como o MTST age para evitar a ação desse grupo?

Boulos – O MTST deixa claro qual é o perfil e o objetivo das manifestações. A gente não acha razoável que um grupo minoritário imponha a sua forma de fazer mobilização em relação a uma maioria. Os atos do MTST têm a perspectiva de serem atos mais pacíficos na sua forma de mobilização e isso é dialogado e discutido junto à base do movimento. Nesse sentido, a gente busca dialogar com quaisquer outras manifestações. Elas têm direitos de fazer [da forma que quiserem] nos atos que elas próprias convoquem e organizem. Eles têm a legitimidade. Até o momento, a postura desses grupos em relação ao MTST foi respeitosa. Nunca tentaram um envolvimento nas manifestações chamadas pelo MTST. Então não houve nenhum conflito, nenhum atrito entre nós e esses movimentos.

iG – O MTST já definiu a data de sua primeira manifestação em 2015?

Boulos – Ainda não há data. Mas em janeiro ocorrerão mobilizações do MTST algumas cidades do País, em algumas capitais, inclusive em São Paulo.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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