Ministra Cármen Lúcia alerta para riscos à democracia em conferência na Costa Rica

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez alerta sobre a erosão democrática e os desafios das eleições contemporâneas em sua participação na Conferência Internacional “Desafios atuais para a democracia no Estado de Direito”, realizada nesta quinta-feira (20), na Costa Rica. Ao falar sobre o tema “Democracia e eleições no mundo contemporâneo”, a ministra revisitou episódios da história recente brasileira, destacou ataques às instituições e defendeu a necessidade de reinventar práticas democráticas diante de novas realidades políticas, sociais e tecnológicas.
Tentativa de golpe
A ministra lembrou que, em 2023, o Brasil enfrentou a mais grave tentativa de ruptura institucional desde o fim da ditadura militar, quando um grupo organizado, liderado por autoridades e agentes de segurança, atuaram para tentar abolir o Estado Democrático de Direito.
“Pela primeira vez, em um processo penal democrático, demonstrou-se que pessoas no poder monitoraram e ameaçaram ministros do STF, com referência expressa a ‘neutralizações’, isto é, mortes”, afirmou. Para ela, o julgamento desses casos demonstra a força da Constituição de 1988, que estabelece o Estado Democrático de Direito como fundamento da República, e da legislação brasileira, que criminaliza a tentativa de golpe.
Insegurança democrática
Cármen Lúcia também questionou a persistência de inseguranças democráticas em países da América Latina, apesar das experiências traumáticas vividas sob ditaduras nas décadas de 1960 a 1980. “Como chegamos a 2020 com os mesmos medos?”, indagou, relacionando crises democráticas atuais a desigualdades históricas, ausência de garantias sociais mínimas e ao avanço de discursos extremistas amplificados pelas redes sociais.
Papel da Justiça Eleitoral
Ao refletir sobre seu trabalho à frente do TSE nas eleições de 2024, a ministra destacou o esforço da Justiça Eleitoral para proteger a liberdade de voto em um ambiente marcado por desinformação massiva. “Em menos de três horas após o fechamento das urnas, anunciamos o resultado de uma eleição segura, com 158 milhões de eleitores”, lembrou. Segundo ela, a democracia exige aprendizado constante, vigilância diária e “coragem democrática” para aplicar a Constituição mesmo sob ataques.
Plataformas digitais
Cármen Lúcia dedicou parte da sua apresentação a críticas ao impacto das grandes plataformas digitais sobre direitos, comportamento social e processos democráticos. Segundo ela, os algoritmos representam potencialmente uma “nova forma de servidão humana”, que moldam medos, ódios e percepções políticas.
Revisão de modelos
A ministra também defendeu uma revisão profunda dos modelos de democracia representativa, que, segundo ela, já não respondem às expectativas da sociedade contemporânea. “O modelo atual é um cadáver que estamos maquiando”, disse, ao destacar que a sociedade quer participação direta e presença efetiva nos processos de decisão.
Educação para a cidadania
Outro ponto enfatizado foi a necessidade de promover educação para a cidadania e fortalecer a compreensão pública sobre direitos fundamentais. Cármen Lúcia ressaltou também que a democracia depende da confiança mútua entre pessoas e instituições — um valor que, segundo ela, está em risco. “Estamos criando uma sociedade em que as pessoas têm medo umas das outras. A desconfiança é a base das ditaduras”, afirmou. Para preservar o Estado de Direito, concluiu, é necessário enfrentar os desafios inéditos do presente com responsabilidade, transparência e compromisso diário com a Constituição.

