O poder não pode ser pessoalizado numa democracia, afirma Augusto Aras

O procurador-geral da República, o baiano Augusto Aras, é enfático ao afirmar que a saída do ministro Sérgio Moro não pode ser capaz de desestabilizar o governo do presidente Jair Bolsonaro. Para ele, a troca de ministros não pode representar a desestabilização do regime político do Brasil. Responsável pelo pedido de investigação contra o presidente da República, após as declarações de Moro, ele disse que no inquérito são investigados os fatos, não pessoas, e que, só após a conclusão das investigações será possível apontar a autoria e materialidade dos fatos delituosos. Aras afirmou ainda que não é admitida, neste momento, a mudança na data da eleição e, por conseguinte, a prorrogação de mandatos de prefeitos e vereadores.

O senhor tem discutido medidas de enfrentamento à pandemia , através do gabinete de acompanhamento da Covid-19. Como tem sido esse trabalho?

Nós temos feito um trabalho muito amplo. Há aproximadamente 45 dias, quando tivemos que começar a tomar as primeiras medidas de enfrentamento à Covid-19, buscamos cumprir o protocolo internacional de enfrentamento a epidemias, que é buscar centralidade dos órgãos públicos encarregados da saúde no país. Esse é um órgão que concilia o Conselho Nacional do Ministério Publico e a Procuradoria-Geral da Republica, mais o MP dos estados, apresentando demandas e buscando respostas junto aos órgãos competentes. A par disso, nós também começamos a buscar recursos públicos que estão depositados, seja na via judicial, seja em fundos como o FDD, Funbem, para destinar ao Ministério da Saúde. Desta forma, só no âmbito da PGR, nós já dirigimos para o ministério cerca de R$ 2,5 bilhões. Se contabilizarmos todo o MP brasileiro, certamente, a essa altura, já superamos a casa dos R$ 5 bilhões em multas para o enfrentamento da Covid-19. Estamos ainda buscando mais recursos todos os dias. Nós temos levantamentos atualizados para que, ao final desta jornada que haveremos de vencer, tenha o Ministério Público contribuído com R$ 10 bilhões.

Preocupa a onda de desemprego que deve atingir o país a partir de agora?

Preocupa imensamente. Infelizmente, registrou-se nas últimas 24 horas, 406 mortos e nós estamos iniciando ainda um longo processo em que teremos um pico a alcançar e isso requer recursos financeiros para respiradores, ventiladores, remédios, equipes médicas, UTIs. Mas o que também nos preocupa é que uma economia paralisada gera fome, a comunidade pobre, prestadora de serviço, que disputa alimentos todos os dias, precisa ser mantida em condições de vida digna e nós sabemos que, se não houver uma base econômica, poderemos ver a fome de milhares de brasileiros gerando violência e essa violência pode gerar tantas mortes, tantos danos quanto a própria Covid-19. Então o grande desafio contemporâneo é manter a saúde publica num planejamento capaz de ter o controle da epidemia. Mas também é preciso encontrar soluções peculiares para cada município, para cada estado, que favoreça as atividades da economia.

A pandemia agora avança para atropelar o calendário eleitoral. Como a Procuradoria-Geral da Republica vê a possibilidade de adiamento da eleição de outubro?

Bem, nós temos que ter muito cuidado com esse assunto. O adiamento das eleições exigiria uma emenda constitucional e isso é algo inconveniente em meio a uma calamidade pública. Nos EUA, a Suprema Corte negou a possibilidade de uma emenda para adiar as eleições, exatamente pela gravidade que é a alteração da Constituição em meio a situações excepcionais como a atual pandemia. Então nós temos, de qualquer maneira, até outubro, tempo suficiente para verificarmos como evolui a doença no Brasil e até lá podermos pensar em medidas. Seja de manutenção das eleições, seja mesmo de uma emenda constitucional, como um ato de excepcionalismo, que possamos guiar para uma data próxima e conveniente as eleições. Eleições como ato cívico é um ato que exige a participação de todos os brasileiros; evidentemente filas e aglomerações, e isso preocupa, devido ter muita gente reunida no dia que celebra a festa cívica mais relevante do país.

A probabilidade de mudar a data da eleição abre também a possibilidade de prorrogar os atuais mandatos de prefeitos e vereadores. Quais os prejuízos que essa medida traria?

Nós não admitimos nesse momento a prorrogação de mandatos, essa providência, essa situação ocorreu no Brasil em alguns momentos, especialmente em 1970 e 1972, mas sempre como um ponto fora da curva. Acho que outubro ainda está longe, nós temos previsões que junho será o período mais difícil para todo o Brasil. Então, teremos que esperar até outubro para que o TSE, o STF e o Congresso Nacional, no particular, definam se há ou não condições de fazer as eleições na data prevista. Penso apenas, nesse exato momento, como já disseram os americanos: “em tempos de excepcionalidade, é de todo o conveniente que não se mexa na Constituição”.

O senhor pediu que o STF investigasse os atos a favor de um AI-5 e contra a democracia no último domingo, em Brasília. Qual a avaliação do senhor?

Olha, nós precisamos compreender que a única ideologia do estado brasileiro é a democracia participativa. Não se admite nada que atente contra a democracia em todas as suas dimensões, todo e qualquer ato antidemocrático atenta contra a própria Constituição e a Lei de Segurança Nacional. Eu solicitei a abertura de um inquérito para que fossem apurados os fatos; apuração de fatos não significa ainda a apuração de pessoas, mas sim a apuração dos fatos para que cheguemos à autoria, a co-autoria de eventuais participações. Por enquanto, temos apenas referencias superficiais, algumas personalidades e o que nós precisamos apurar é quem patrocina esses atos, quem organiza, a responsabilidade de cada um, de maneira que este inquérito, como qualquer inquérito, investigue os fatos, nunca as pessoas. Pessoas certamente serão indiciadas ao final da investigação, quando definido ou ao menos delimitado o campo da atuação subjetiva dos agentes delituosos e a própria materialidade.

A participação do presidente Jair Bolsonaro no ato complica a situação dele?

Neste momento nós não temos condições de afirmar a participação de quem quer que seja. Existe muito boato ao redor de muitas pessoas, eventualmente nós não ouvimos falar que determinadas pessoas estariam envolvidas no inquérito e na verdade o inquérito está apenas iniciando: é a partir das investigações que nós vamos encontrar pessoas, ai sim, pessoas, que podem ser qualificadas como autoras, co-autoras partícipes. Enquanto isso, qualquer menção a nomes específicos eu acho uma temeridade, especialmente do presidente da República, que tem uma representação de governo e estado como de qualquer outra autoridade. Precisamos deixar que a polícia judiciária, que a Polícia Federal investiguem. Nós, do Ministério Público, estaremos fazendo um controle interno e externo das atividades policiais para que, ao final, possam verificar se existe ou não alguma legalidade ou ilegalidade. Tudo é muito cedo. É preciso que a população brasileira tenha certo que o inquérito é apenas uma pena que nós estamos puxando. Se dessa pena vier um peru ou um galinheiro inteiro, só o tempo dirá. Mas é preciso confiar nas instituições que estão atuando para sabermos, ao final, quem são os responsáveis por esses atos antidemocráticos que atentam contra a lei maior e contra a Lei de Segurança Nacional.

A saída do ex-juiz Sergio Moro, do Ministério da Justiça, enfraquece o relacionamento do governo com os demais atores da cena institucional do país?

Olha, todo e qualquer governo existe a partir do grau de confiança do presidente, que no regime presidencialista é quem escolhe seus auxiliares. Os ministros de estado são auxiliares do presidente e ao mesmo tempo contribuem para a formação da estrutura do estado brasileiro. Nós não podemos imaginar que a troca de um ministro, seja o da Saúde, seja o da Justiça, ou de qualquer outro ministro, possa representar uma desestabilização da ordem jurídica e mesmo do regime político, que é a democracia. É da natureza dos governos a mudança, a própria presidência da República impõe alternância. O país precisa ter uma política equilibrada para que a saída de quem quer que seja não tenha aptidão de desestabilizar uma democracia, que vem funcionando com suas instituições. Daí o porquê de o estado brasileiro, na sua estrutura, precisar primar não só pela independência dos órgãos e dos poderes, mas também pela harmonia entre todos eles. O poder não pode ser pessoalizado, é o atributo do poder a sua impessoalidade no ambiente democrático para que todos sejam responsáveis no ambiente republicano pela coisa pública, para que todos sejam responsáveis pelos seus próprios destinos.

O senhor pediu investigação contra o presidente Bolsonaro após as declarações do ex-ministro Sérgio Moro. Como avalia?

No inquérito são investigados fatos, não pessoas. Busca-se no inquérito a autoria e materialidade de fatos supostamente delituosos. Na sua conclusão é que podem surgir fatos de autoria e materialidade, em tese, criminosos, com a identificação dos responsáveis e seu indiciamento.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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