Hiroshima e Nagasaki: 70 anos depois, mundo ainda vive ameaça nuclear

Uma energia barata, limpa e segura. É o que defensores de usinas nucleares argumentam em seus discursos em prol desse meio, que dizem ser o mais eficiente disponível para se produzir eletricidade em grande quantidade sem afetar tanto o meio ambiente. Mas, 70 anos após os ataques norte-americanos às cidades de Hiroshima e Nagasaki, que levaram à rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial em 2 de setembro de 1945, a tecnologia nuclear segue representando um risco para o mundo.

Oficialmente, ao menos cinco países, os membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), possuem armas atômicas: EUA, Reino Unido, Rússia, China e França. Além deles, outras quatro nações, todas com territórios em áreas de conflito, têm os armamentos – Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. O acordo pretendido pelos norte-americanos com o Irã, anunciado no mês passado, esquenta os temores por conflitos nucleares, já que há desconfianças de que os persas, ao contrário do que alegam, pretendem enriquecer urânio para fins militares.

Relatório do Instituto de Pesquisa Internacional da Paz de Estocolmo (Sipri) divulgado em junho mostra que, apesar de apresentar tendência de queda no planeta, o número de armas do tipo ainda é estimado em 15.850 – sendo 4.300 prontas para uso e outras 1.800 em estado de alerta operacional.

Além da questão militar, as próprias usinas geradoras de energia seguem sendo um motivo de temor, como fica claro a cada novo grande acidente em reatores no planeta – como foi o caso de Fukushima, no Japão, em 2011. E estudos recentes mostram que há motivo para isso.

Assinado por Spencer Wheatley, Didier Sornette, ambos do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, e Benjamin Sovacool, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, “Uma Análise Estatística de Incidentes e Acidentes em Usinas Nucleares”, publicado neste ano, mostra que a tecnologia, desenvolvida no contexto da Grande Guerra, foi responsável por gerar ao menos 174 incidentes/acidentes em usinas entre 1946 e 2013.

Os dados incluem, naturalmente, os casos mais emblemáticos, como Three Miles Island (1979), Chernobyl (1986) e Fukushima (2011), mas também uma série de incidentes de menor proporção durante a fase de produção/geração, transmissão e distribuição de energia nuclear – os dez primeiros da lista também em países como EUA, Reino Unido, Rússia e Eslováquia.

Apesar de os incidentes terem diminuído da década de 1970 para cá, o estudo conclui que o mundo não está seguro quanto à repetição dos maiores desastres dessas usinas, conforme a moderna usina japonesa provou quatro anos atrás. Para os autores, hoje há 50% de chances de um evento igual ou maior a Fukushima ocorrer nas próximas cinco décadas; 50% para a possibilidade de uma tragédia como a de Chernobyl nos próximos 27 anos; e a mesma proporção de chances de uma como a de Three Miles Island nos próximos dez anos.

“Somos contra qualquer programa nuclear, porque as consequências de um acidente, por menos frequentes que sejam, podem ser catastróficas”, diz ao iG Thiago Almeida, representante de Clima e Energia da ONG Greenpeace Brasil. “Além disso, o urânio [matéria-prima para a produção de energia nuclear] afeta a questão ambiental – pois sua exploração leva à contaminação do solo, dos cursos d´água, prejudica populações –, o que mostra que não é uma energia tão limpa, como a indústria defende.”

Por outro lado, especialistas como o físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas Odilon Tavares, um dos mais conhecidos defensores do uso de energia nuclear no País, têm opiniões diferentes e se dedicam a pesquisas e artigos para impulsionar o uso da tecnologia, especialmente no Brasil. Para ele, só o fato de o País possuir a sexta maior reserva de urânio do planeta, além de toda a expertise para seu enriquecimento, é suficiente para investir pesado para se tornar uma potência no meio.

“No mundo moderno não vive sem energia – e não existe energia mais eficiente e mais barata do que a nuclear. Estamos marcando passo no Brasil, porque não produzimos energia suficiente com o que temos. É um atraso de 60 anos que vivemos”, critica Tavares.

“A situação que temos é invejável. Poderíamos sustentar a população inteira por pelo menos dois séculos. Temos cerca de 300 mil toneladas de urânio disponível – isso em um terço do território, já que, somando com outras jazidas, poderíamos chegar a um milhão de toneladas, garantindo combustível necessário para abastecer 40 usinas nucleares durante um século. Temos de aproveitar isso, investir, ter a geração nuclear como uma base energética brasileira.”

Queda livre
Mas a defesa em relação à eficiência da tecnologia sempre esbarra nos riscos inerentes à produção de energia nuclear, aliados ao desenvolvimento de outras fontes mais seguras, como a eólica e a solar. Acidentes como os ocorridos em Three Miles Island e Chernobyl, esta última uma cidade fantasma desde 1986, levaram a uma preocupação cada vez maior quanto à segurança de usinas geradoras de energia por fissão nuclear – mas, ainda assim, desde 2006 a produção por meio de enriquecimento de urânio vêm caindo no mundo.

Isso ficou escancarado após o acidente em Fukushima, em março de 2011, quando três dos seis reatores nucleares derreteram após o local ser atingido por um tsunami, provocado por um terremoto de magnitude nove. Estudos feitos após a tragédia ligam o surgimento de casos de câncer na população ao ocorrido na usina.

Em documento de 2015, a Agência Internacional de Energia Atômica afirma que, das 438 usinas em funcionamento uma década atrás, apenas 390 seguem em operação – número puxado especialmente pelos fechamentos dos estabelecimentos no Japão, que, sob desconfiança da população, tenta, aos poucos, reabrir seus reatores.

Ao mesmo tempo, países altamente dependentes da energia nuclear, como a Suíça, anunciaram projetos para fechar seus reatores nos próximos anos. A Alemanha pretende acabar com todas as suas 17 instalações nucleares até 2022. Enquanto, em 1996, 17,6% da eletricidade do mundo vinha dos reatores nucleares, atualmente esse número gira em torno de 10,8%, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica.

“O ponto é que, hoje em dia, temos diversas outras opções de produção de energia para seguirmos investindo em uma tecnologia bastante contestável do ponto de vista ético, moral, social e ambiental”, analisa André Nahur, coordenador do programa de Energia e Meio-Ambiente da ONG WWF Brasil. “Não faz sentido investir em uma energia do século passado quando temos alternativas mais seguras e eficientes para suprir nossas necessidades. Óbvio que, com a crise energética que enfrentamos, não podemos depender só das hidrelétricas. Mas temos imenso potencial, diante de nosso amplo território e clima favorável, para investir de verdade em energia solar e eólica.”

Programa nuclear brasileiro
Enquanto o tema segue com argumentos pró e contra, escancarados com as lembranças dos 70 anos das bombas de Hiroshima e Nagasaki, o Brasil segue com planos para ampliar seu programa de energia nuclear. No entanto, seguidas crises econômicas, acompanhadas, segundo especialistas, de uma administração constantemente falha, o levam a basicamente engatinhar há mais de três décadas.

A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, localizada em Angra dos Reis (RJ), é responsável, hoje, por apenas 3% da matriz energética brasileira, com a junção de produção das usinas de Angra 1 e Angra 2, as únicas nucleares em funcionamento no País.

A terceira usina prevista o complexo, Angra 3, vê suas obras sendo arrastadas desde a década de 1980 – paralisadas, principalmente, por questões econômicas. Apesar da promessa de ampliar a geração de energia no País em 10 milhões de megawatts por ano, o suficiente para abastecer Brasília e Belo Horizonte no período, segundo a operadora Eletrobras Eletronuclear, a usina, cuja obra foi reiniciada em 2010, já teve prejuízo de R$ 4 bilhões devido aos atrasos. Anualmente, o prejuízo só com manutenção de equipamentos e instalações é de R$ 20 milhões anuais – e a previsão otimista de encerramento da construção é 2018.

A efeito de comparação, o Parque Eólico de Osório, o segundo maior da América Latina, localizado no Rio Grande do Sul, teve suas obras concluídas em 15 meses ao custo pouco mais de R$ 600 milhões. Sua capacidade de abastecimento é de 650 mil residências.

“Independente disso, a Suécia e a França têm o ar mais limpo do mundo porque praticamente só usam energia nuclear. Imagina se aproveitássemos o tamanho do nosso território, muito maior do que o desses países, para colocarmos dezenas de reatores em funcionamento?”, insiste Odilon Tavares. “Se alguém acha que esses países estão fazendo alguma coisa de errado, investindo em tecnologia nuclear, eu discordo. Para mim, são países inteligentes. É preciso diversificar as formas de produção.”

Ainda assim, nenhuma das organizações consultadas pelo iG concorda que o meio deve ser de fato alvo de investimentos e ampliação. Para elas, o Brasil iria na contramão dos países desenvolvidos, que desaceleram suas produções, caso realmente seguisse investindo na tecnologia.

Além disso, alegam que não valeria a pena colocar dinheiro para se trabalhar com um material limitado na natureza – o urânio – e em usinas cujo prazo de validade, de algumas décadas, é definido antes mesmo do início das construções. “Uma usina nuclear leva, em média, dez anos para ser construída. A solar, eólica, três anos. Então, se tivéssemos investido realmente pesado nelas a partir de 2013, quando a crise energética atual já era anunciada, suas produções já estariam avançadas”, analisa Thiago Almeida, do Greenpeace.

“A história, com Hiroshima, Nagasaki, Chernobyl, Fukushima e tantos outros, mostra que a energia nuclear traz uma série de problemas. Por que não evitá-los?”

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo