Voltando a falar do rádio III – José Jorge Andrade Damasceno

O processo de (re) invenção do rádio, no sentido de enfrentar os desafios impostos pela chegada de um novo concorrente com quem teria de disputar verbas e público e, pela necessidade de se reestruturar para manter-se vivo e consolidar-se enquanto veículo de comunicação importante e de relevância social, consistiu na conformação de um complexo conjunto de elementos, sem os quais a radiodifusão não alcançaria o objetivo de reerguer-se nas décadas posteriores a de 1950, quando tem início a “era da televisão” no Brasil.

Em primeiro lugar, aqui se poderia destacar o conjunto de implementações técnicas desenvolvidas para propiciar a melhoria das transmissões radiofônicas, cujo objetivo era duplo. O primeiro intentava o aumento da capacidade de irradiação dos transmissores, fazendo com que o sinal “chegasse mais longe”, o que permitiria uma emissora de rádio ser captada nos mais distantes rincões do território brasileiro, fosse ela do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte ou de Brasília. E isto implicaria, por conseguinte, em uma ampliação exponencial do público ouvinte, tanto em termos de números absolutos, quanto em termos de faixas de idade e de renda.

O segundo objetivo era melhorar a qualidade das transmissões, fazendo com que alcançando um número maior de ouvintes e uma diversidade maior de faixas de idade e renda, o rádio pudesse oferecer uma qualidade de som que permitisse uma audição mais agradável. Tal intento só pôde ser logrado em parte, sobretudo nos lugares onde as transmissões chegassem com força suficiente para superar a estática inerente ao espectro em que operavam as emissoras de rádio, então denominadas de “ondas médias”.

Em segundo lugar, o elemento que aqui poderia ser destacado e, que contribuiu para que o rádio enquanto veículo comunicacional pudesse superar os desafios impostos pelo surgimento da televisão, está relacionado com a sua característica de funcionamento. Conforme diversos relatos dos protagonistas e memorialistas do rádio, desde o início do seu “reinado” no Brasil, sua programação era levada ao ar em dias e horários intermitentes, o que propiciava lacunas que, para muitos de seus ouvintes, não eram preenchidas; isto permitia uma rotatividade entre as pouco numerosas emissoras existentes e/ou captáveis.

Este comportamento se altera, na medida em que as programações e os horários de sua difusão vão se ampliando, assim como o número de emissoras existentes e/ou captáveis também cresce, permitindo a conformação de um certo “público cativo”, implicando em maiores esforços para manter a fidelidade daquele “público cativo” a tal ou qual emissora. Certamente, isto também implicava na ampliação do horário de funcionamento, na necessidade de ampliação do tamanho das equipes de trabalho (técnicos, operadores, programadores, locutores).

As décadas de 1960 e 1970 chegam e encontram o rádio já mais ou menos assim delineado em seu padrão de funcionamento, sendo poucas as emissoras que interrompem as suas transmissões as 00 ou a 02 horas da madrugada, para voltar as 06 horas da manhã, sobretudo, nos grandes centros urbanos.

Este escrevente lembra que a Rádio Sociedade da Bahia concluía as suas transmissões as duas da madrugada e retornava as cinco com J. Luna com o seu “Vamos Acordar”. Aquele horário variou algumas vezes entre as 4 e meia e depois para as quatro da manhã, até se consolidar o funcionamento da emissora durante as 24 horas, que aliás, por um longo tempo foram preenchidas entre as duas e as quatro da manhã com o programa “A Voz da Libertação” levado ao ar pelo patrocínio da Igreja Pentecostal Deus é Amor e, com a apresentação do seu fundador.

Em terceiro lugar, talvez aqui se pudesse considerar que o elemento de maior importância no processo de (re) invenção do rádio enquanto veículo comunicacional importante e socialmente relevante em seu esforço para prevalecer diante do desafio de se lançar em busca de consolidar espaço publicitário e conquistar mais ouvintes, está relacionado com as mudanças implementadas nos aparelhos de recepção radiofônicas.

A primeira das mudanças nos rádios receptores está relacionada ao seu tamanho. As geringonças grandes e pesadas, fixas em lugares específicos nas casas das pessoas que as podiam comprar e fazer funcionar, são pouco a pouco trocadas por aparelhos cada vez menores, mais leves e mais autônomos. Deixam de ser aqueles móveis inerentes à sala de visita ou de jantar, alguns deles imponentes obras de arte, feitas para se ouvir e admirar e, pouco a pouco, passam a ser levados de um lado para outro da casa e, logo saem dela.

Assim, com o tempo eles vão para a cozinha, para o quarto de dormir, para os quintais das casas e dos sítios; para os alpendres e terreiros das fazendas; para os jardins, para os prédios, para os presídios, para os hospitais e para as praças das cidades.

A segunda mudança nos aparelhos receptores, talvez ainda muito ligada a primeira, tem relação direta com a  aquilo que se poderia chamar de “popularização do rádio”, na medida em que avançam os inventos e desenvolvimentos relacionados com o processo de “transistorização” e “miniaturização”, o que propiciaria a produção de um maior número de receptores e, conseqüentemente, a redução drástica de seu tamanho e, o mais importante desde o ponto de vista sócio-econômico, o barateamento do seu custo para o comprador final.

Isto ampliava o número de aparelhos em uso e o avanço das emissoras de rádio sobre as de televisão na luta pela conquista de novas faixas de público ouvintes e, por via de conseqüência, de novas fatias do crescente mercado publicitário.

A terceira mudança está relacionada ao surgimento e aperfeiçoamento das pilhas elétricas, libertando os aparelhos da “prisão” às tomadas de energia, facilitando o deslocamento do rádio pela casa, depois pelas ruas, pelas áreas suburbanas e rurais ainda não beneficiadas com a chegada da energia elétrica.

Este é um fenômeno de grande importância para o crescimento do rádio e da audiência de sua programação, na medida em que abre uma distância confortável na concorrência com a televisão, uma vez que dispondo de receptores que não precisavam do uso da energia elétrica para funcionar, tinha primazia no que respeita à capacidade de alcançar lugares longínquos.

Tal alcance era propiciado pela primeira mudança aludida acima, associada a esta última. Isto é: os receptores ligados nos longínquos lares brasileiros eram alimentados por transmissões levadas até lá porque os transmissores estavam mais potentes – entre 50 e até 300 kw (no caso da Rádio Nacional de Brasília).

Uma quarta mudança no mundo da radiodifusão que aqui poderia ser destacada, está intimamente ligada a primeira e a segunda mudanças já aludidas, talvez com um caráter mais radical. Trata-se do desenvolvimento dos autorrádios que, conforme indica o Google, tem os seus primeiros modelos fabricados na década de 1930, sendo ainda valvulados; só na década de 1960 é que passam a ser incorporados aos automóveis os artefatos inteiramente transistorizados.

Portanto, sua contribuição para a ampliação do público devotado ao rádio, está relacionado ao aumento gradativo do uso de veículos automotores nas grandes e médias cidades brasileiras, o que só ocorre a partir das décadas de 1970-1980-1990.

Neste sentido, sua utilização dentro dos automóveis acaba permitindo ao rádio uma interação com os condutores de veículos, a quem também chega a programação musical e noticiosa, que passa a ser o binômio de sustentação do rádio dali para a frente.

E é este “binômio” – música e informação-, depois ampliado para “trinômio” – música, esporte e notícia-, que se configura no quarto elemento a partir do qual o rádio se (re)inventa e atinge a sua maturidade ou, como quer Mário Luiz, a “sua verdadeira era de ouro”. Tal elemento será o objeto de reflexão no próximo arrazoado.

 

José Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social e professor da UNEB

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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