“Teremos um período de incerteza na aplicação das novas regras”, diz juiz

Crítico de muitos pontos da reforma trabalhista, o juiz  Rodolfo Pamplona Filho, que também é professor universitário, criou um canal no YouTube com 65 vídeos (veja alguns no final da entrevista) para explicar as mudanças. Em entrevista ao A TARDE, ele pontua o que não considera razoável e brinca que com a MP 808, emitida na terça-feira, vai ter que atualizar seus vídeos  na internet.

No primeiro dia de vigência da reforma trabalhista, o juiz José Cairo Júnior determinou que um trabalhador, que havia processado uma empresa,  pagasse R$ 8,5 mil por litigância de má-fé e pelos honorários. Como o senhor avalia o caso? Já é possível fazer um balanços desses primeiros dias de reforma trabalhista? 

Eu não aplicaria para processos que foram concluídos antes da reforma. Mas é questão de entendimento

Rodolfo Pamplona, juiz do trabalho e professor universitário

A reforma trabalhista entrou em vigor no dia 11 de novembro  e já, no primeiro momento, alguns  magistrados estão tomando decisões com base nela, que é bastante rigorosa na questão do acesso à Justiça. Inclusive com a possibilidade de condenação por litigância de má-fé e os honorários sucumbenciais (sucumbência no direito é o princípio pelo qual a parte perdedora é obrigada a arcar com os honorários do advogado. A litigância de má-fé já era possível. Os honorários são efetivamente uma novidade. Há alguns entendimentos sobre a matéria. Uns acham que é possível fazer essa aplicação desde já, e outros, que só devem ser aplicados para os atos do processo ou os processos ajuizados a partir do sábado. Confesso que, pessoalmente, parece-me  que por um critério de segurança jurídica é totalmente aplicável para os novos processos. Para os processos em curso, isso é aplicável apenas para os atos processuais que vão ser praticados depois do sábado.  Foi uma decisão que está dentro da liberdade do magistrado, da formação de suas convicções. Eu não decidi e nem decidirei dessa forma. Toda norma processual é de aplicação imediata. Mas eu não aplicaria para processos que foram concluídos antes da reforma. Não é uma questão de certo ou errado, mas de entendimento sobre a matéria.

Mas tem essa questão de que quem entrou na Justiça não sabia que haveria uma reforma e que as regras mudariam… 

É um risco que não foi calculado quando foi ajuizado.  Eu confesso que teria algum pudor nesse sentido.

Talvez a reforma aumente ainda mais a insegurança jurídica, porque se as decisões já dependem do entendimento de cada juiz, agora há um fator novo que é a existência de uma nova regra…

Em toda fase de transição haverá sempre essas incertezas. O legislador dita a lei, mas não manda o manual de instrução, como deve ser aplicada. E há várias formas de aplicação de uma lei. Como existem várias formas de interpretar uma frase. A palavra dita é como flecha desferida. E a palavra proferida muitas vezes não alcança a mesma interpretação em uma e outra pessoa. Sem sombra de dúvidas, teremos um período de incerteza na aplicação das novas regras.

Inclusive o presidente enviou esta semana a MP 808, que faz correções à reforma que acabou de entrar em vigência… 

”A reforma trabalhista evidentemente limitou o acesso à jurisdição trabalhista”

Rodolfo Pamplona, juiz do trabalho e professor universitário

Na entrada para o feriado, Temer fez uma medida provisória fazendo modificações na reforma trabalhista.  O que desde já, no que diz respeito ao processo, pode ser considerado inconstitucional. Não é possível editar medida provisória sobre matéria processual. Na parte de direito aplicado aos contratos, aí há uma situação de um desacreditar das instituições porque fizeram uma lei, deram um prazo de 120 dias para as pessoas estudarem, verificarem e fazerem e aí editam uma medida provisória de aplicação imediata. Uma confusão… eu falo uma coisa, você interpreta outra, é igualzinho ao juiz. Eu não acho que quando você, entre aspas, distorce minhas palavras, você é mau. Não, você vê pontos que acha mais interessantes para a sua matéria.  É a mesma coisa. Para um juiz, tem a lei, tem as regras processuais, e há um campo de interpretação dessa lei e ele vai fazer a aplicação. Ou seja, eu não estou dizendo que o juiz que já proferiu sentença no sábado com base na reforma para um processo anterior está errado. Estou dizendo que essa não é a minha interpretação. O Temer já tinha falado que iria fazer uma medida provisória para acertar coisas que não estavam bem na reforma trabalhista. Já tinha havido o embate com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados). E de repente faz uma série de modificações, de alterações com regras novas que, algumas até amenizam os efeitos, outras são absolutamente inexplicáveis depois de 120 dias de a gente se preparando para aplicar uma nova regra. Mudaram a jornada de 12 horas por 36 horas de compensação… colocaram na reforma trabalhista a possibilidade de fazer, algo que era muito criticado,  e agora limitaram. O que tinha sido autorizado na Lei do Trabalho Doméstico, que tinha sido estendido a todos os trabalhadores e agora só pode ser para entidades do setor de saúde.

E o presidente é especialista em direito constitucional… 

Ele é professor de direito constitucional. Nós sabemos que essas coisas não é ele quem redige, ele assina… mas isso traz ainda mais insegurança. Eu estou muito preocupado com a reforma trabalhista desde que ela foi editada. Eu tenho um canal no YouTube e gravei  vídeos gratuitos, nem precisa se inscrever para ver. Explicando cada modificação da reforma trabalhista. São 65 vídeos. Agora, eu vou ter que fazer novos vídeos para explicar a medida provisória. Porque modificou vários dos tópicos.   A gente vai ter que verificar, naturalmente, a aplicação dos novos contratos, de sábado (11) para cá. Eu passei estudando muito tempo e por isso está tudo lá atualizado. Principalmente a parte processual, que eu já estou aplicando.  Hoje as pessoas já estão com mais cautela em pedidos que se relacionem com prova pericial. Nas novas ações, as pessoas já estão fazendo menos pedidos. Mesmo que tenham um direito lá, se não tiverem como provar aqui eles podem ser condenados em honorários advocatícios. Já há uma prática complicada nesse momento em relação à gratuidade judiciária. Hoje é mais fácil, pela letra fria da lei, conseguir gratuidade na Justiça comum do que na Justiça do Trabalho. Se a gente considerar essa norma constitucional, é algo terrível.

O banco de horas acontecia só sobre um acordo coletivo. Agora é admitido pela via individual”Rodolfo Pamplona, juiz do trabalho e professor universitário

Já há uma diferença entre o trabalhador de baixa renda e o que pode arcar com os honorários advocatícios… 

Sim. A reforma trabalhista evidentemente limitou o acesso à jurisdição trabalhista.

Vamos falar um pouco mais sobre os feriados… 

O banco de horas… no passado, acontecia só sobre um acordo coletivo. Agora, com a reforma, é admitido pela via individual.

E se um comerciante resolver que, por exemplo, no dia 15 de novembro, vai abrir o seu negócio… ele não vai mais precisar pagar hora extra…  

Se houver um acordo de compensação de jornada, ele pode compensar qualquer dia. Sem ter de pagar nada. O feriado já podia ser compensado, mas antes era dentro do mês. Mais do que isso precisava de norma coletiva. Agora, pode ser em seis meses. E dentro do mês não precisa nem combinar com o empregado. É só dizer: vou precisar de você tal dia. É o que chamam  de acordo tácito.

Para um juiz, tem a lei, tem as regras processuais, e há um campo de interpretação dessa lei”Rodolfo Pamplona, juiz do trabalho e professor universitário

O senhor mencionou o Rodrigo Maia. Antes da aprovação da reforma, ele disse que o ideal era que nem existisse a Justiça do Trabalho… 

Essa foi uma afirmação extremamente infeliz. Porque não verifica o exército de pessoas que estão  precisando de uma atuação da Justiça do Trabalho. Há, sem sombra de dúvida, muito descumprimento de normas trabalhistas no Brasil.  Imaginar o Brasil sem a Justiça do Trabalho é imaginar o fechamento das portas para o cidadão de classe baixa. Há uma frase de Orlando Gomes: “A Justiça do Trabalho é um lugar onde o trabalhador é tratado com altivez e o empregador não é necessariamente desrespeitado”.

 

Fonte: A Tarde

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo