Homens públicos, interesses privados, tenebrosas transações – Maurílio Fontes

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Nada mais atual do que a letra de Chico Buarque de Holanda da canção “Vai Passar”, que construiu um panorama do Brasil, no passado, mas adequada ao momento vivido por nosso país.

Homens são públicos porque o poder que exercem é originário do voto popular. Entretanto, os interesses privados superam a intenção de atuar para o bem coletividade. Tenebrosas transações fazem parte do dia a dia da maioria dos políticos, mais afeitos ao crime e distantes da atuação límpida que deveria nortear os mandatos.

Num tempo infeliz de nossa história,

passagem desbotada de toda memória,

Das nossas novas gerações

Dormia a nossa pátria mãe tão distraída

Sem perceber que era subtraída

Em tenebrosas transações

O submundo da política do Brasil veio à tona com a força de um tsunami, revolvendo o mar de lama até então escondido no “pré-sal dos ladrões” e jogando no lixo reputações antes tidas como ilibadas.

As tenebrosas transações não são casos exclusivos de Brasília e estão mais perto de todos nós do que imagina a vã filosofia dos incautos, ingênuos e bobos da corte, quase sempre cheios de salamaleques com os detentores de mandatos eletivos.

O enriquecimento ilícito tem sido regra quase geral, apesar da atuação mais consistente dos órgãos de fiscalização, controle e punição.

No Brasil, políticos são tratados com reverência indevida, como se fossem deuses do olimpo. Muitos deles, ao invés da posição privilegiada que ocupam no imaginário popular, deveriam estar em um local muito conhecido, cuja temperatura ultrapassa mil graus centígrados. 

Não é difícil imaginar: o inferno é o lugar mais correto para eles. As transações no submundo infernal são, por excelência, tenebrosas, com o tridente do diabo a furar-lhes as nádegas, em um quadro antológico e certamente prazeroso para os eleitores.

Esconder as tenebrosas transações é papel dos asseclas, pródigos em argumentos fantasiosos, artificiais e hipócritas, como se o povo fosse fácil massa de manobra.

O objetivo principal é reconstruir a história, o encadeamento dos fatos e, mais ainda, colocar os bandidos no lugar dos bons moços, invertendo a lógica de suas próprias atividades em busca de apropriarem-se daquilo que é público.

Fortunas são construídas em passes relâmpagos de mágica, consubstanciadas por intermédio do discurso do trabalho em prol da coletividade, do sacrifício pessoal e familiar. Nada mais desonesto.

Sinais exteriores de riqueza pululam, mas os arautos da moralidade inversa transitam como se nada estivesse acontecendo, risonhos à mancheia, com os bolsos abarrotados, mas nem por isso indispostos para praticar outras e maiores negociatas.

Negociatas representam o oxigênio diário que precisam para sobreviver. Respiram negociatas, ingerem negociatas, vivem como se as negociatas fossem o mantra inexorável a cada raiar do dia.

Os homens são públicos, os interesses quase sempre privados e as tenebrosas transações fazem parte do cotidiano da maioria dos políticos.

A música, além do entretenimento, tem o papel atemporal de denunciar os desmandos.

Viva Chico Buarque.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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